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DE ANGOLA
À CONTRA-COSTA
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DE ANGOLA À CONTRA-COSTA
DESCRIPÇÃO DE UMA VIAGEM
ATRAVEZ DO
CONTINENTE AFRICANO
COMPREHENDENDO
NARRATIVAS DIVERSAS, AVENTURAS E IMPORTANTES DESCOBERTAS ENTRE AS QUAES FIGURAM A DAS ORIGENS DO LUALABA, CAMINHO ENTRE AS DUAS COSTAS,
VISITA ÁS TERRAS DA GARANGANJA, KATANGA E AO CURSO DO LUÁPULA,
BEM COMO A DESCIDA DO ZAMBEZE, DO CHOA AO OCEANO
POR
H. CAPELLO-R. IVENS Officiaes da Armada Real Portugueza
EDIÇÃO ILLUSTRADA COM MAPPAS E GRAVURAS
VoLuxE 1 qMiTHSONIAA, SEP 10 1986 LIBRARIES LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
SUA MAGESTADE EL-REI
O SENHOR
DOM LUIZ 1
COM ESPECIAL PERMISSÃO
AO
POVO PORTUGUEZ
VINCULAM NESTA PAGINA OS AUCGTORES A MARCA INDELEVEL DO SEU PROFUNDO RECONHECIMENTO
ÃO EXCBLLENTISSIMO SENHOR
MANUEL PINHEIRO CHAGAS
MINISTRO D'ESTADO HONORÁRIO
A QUEM DEVEM O TER SIDO NOMEADOS PARA TÃO ELEVADO CARGO E À EXPEDIÇÃO O SEU BOM EXITO PELO DECIDIDO INTERESSE COM QUE A PROTEGEU
CONSAGRAM ESTA PAGINA
a Us anctozes.
RELAÇÃO DOS INDIVIDUOS PERDIDOS DURANTE À EXPEDIÇÃO AO INTERIOR DE AFRICA
Nome e naturalidade
1 Eae anja. chefe...
bO
HF» Co
14 15 16 à
18
19 20
21/Somma (Nano)
Cacheque.. saco os
Caioqueza (Mucelli)... Cha-note (Mucelli).... Dezesete homens Quiari-Ocamba. ......
ni] silo o
mielfalio| ejjujiolia: ajpio! (o/a (o) a
N'Gombo (Cabinda)... Nambero
Samba (Ganguella)... Chiteta (Ganguella)... Sandéra (Ganguella)..
Mabanda (Ganguella). F. (Ganguella) Guenjo (Ganguella)... Chandallad ss.
Or O O
F. (Ganguella)
Chico (Quinbare)...... Catinga (Lunda)......
elis a [oleo o:
22 | Quinhangana (menor). BNB uma. se o ensaio selo Morto de dysenteria (?)
24 | Chico
1884-1885
Qualidade da perda
Eu MTO (o BA
Preso para a fortaleza de S. Miguel. Morto defadigana fuga Morto de fadiganafuga Fugidos em massa....| Morto de congestão pul- monar, por ter caído aos rapidos do rio. Morto/detisicar is Fugido
mile me j[o Ih (0/0/0107 0) oval (o,
Perdido (alienação)...
Perdido com carga de missanga.
Fugido com um fardo de riscado.
Fugido com um fardo de fazendas.
Fugido com um fardo de algodão.
Fugido com o bote....
Fugido com o bote....
Fugido do libambo....
Fugido dolibambo pela segunda vez.
Fugido do libambo pela segunda vez.
Morto de pneumonia...
Perdido, morto de fome
Perdido, morto (?)....
Morto de pneumonia...
No hospital css.
Logar em que se effectuou
No Croque. Em Loanda.
No Croque.
| No Croque.
No Croque. No Croque.
Em Mossamedes. Na Huilla.
Na Huilla. Chimpumpunhime.
No rio Iquebo.
| No rio Iquebo.
No rio Iquebo.
No rio Iquebo. No rio Iquebo. No rio Iquebo. No rio Iquebo.
No rio Iquebo.
No rio Cuatir. No rio Cuatir. No rio Cueio.
No rio Iquebo. Em Mossamedes. Em Mossamedes.
Frelação dos individuos perdidos
Nome e naturalidade Qualidade da perda
Desertou com fome... Desertou com fome... Uamo (Moisumbi)..... | Desertou com um cu- nhete. Benedicto (Mossame- | Morto de epylepsia e des). queda no fogo. Caxinda (Loballe) .... | Morto de tremores ner- vosos e idiotismo. Morto de entexite. . -.. Morto de anemia...... Morto de fadiga...... Eugido-Lr po se Abandonado, morto (?) Ega dida. enssn ada iyiatelrelo ser
0) 0) o le) nu) jo le) aja jo) je o)» falta e (eis) aloe jo a (ajlo, [o sia cujo a
E HERO DROPS DL QRO OO O GO lo Oro ONO O GO
ELO OUTRO SERA DS QT QRO DOS O
Quilumbo (mulher).... Cabombol soe andas. co e cr nae Evadido, morto (?).... Bacara ars doe dee Perdido, morto (?).... Cha-Cassenda. ....... Morto de fadiga. .....
Qubandagi Chico
Morto de fadiga...... Perdido, morto de fa- diga (?). Eyadidas Morto de fadiga, ane- mia e meningite. Morto de fadiga, ane- mia e meningite. Evadido, morto (?).... Domingos Eyvadidoss Mamnico- gere Edema e fadiga, morto Hé:Camane. e Extraviado com a mala dos instrumentos. Morto de meningite e fadiga.
Elmo (o) ro en Morto de meningite e anemia.
Extraviado, morto (?) no mato.
Morto (?) (bobas).....
Morto de tisica. ......
Quipeio (mulher)..... Catumbo
cv... .. no... .. ..
O DSO O DIO CUÓNO. O O
Caminho
cc... ...... ...
ce... o... 0 o 4 4 0 4 0 0 0 q
Logar em que se effectuou
No rio Luatuta.
No rio Luatuta.
Adiante do Luata- ta.
Muene Chindoma.
Soana Quifoaco.
No rio Ninda.
No rio Ninda.
No rio Cabompo.
No rio Cabompo.
No rio Cabompo.
Muene Caheta.
Muene Furumana.
Muene Furumana.
No rio Mumbeje.
No rio afluente do Luengue.
No Lualaba.
No Lualaba.
Muene Canhinga. No rio Muana.
Cha-Malundo. Cha-Malundo. Cha-Malundo. Cha-Malundo. Cha-Malundo. No Quinguebe. No Quinguebe. No rio Moachi.
No rio Choa. Table bay.
INDICE DAS GRAVURAS
Pag + ironto dl op ju reioo RD o RR 61 Enpariga CON spo ps Ne RN RT O E RR RO R 69 Fiomrcua, do Nano a 13 Lnoig=CarTaOREA oa dra neon LA Pe qe PDS Ro SA RODE 85 Fanaa Condes (Ce sErco) ER RD RR 89 Sapaz Concerto ea ei vb RR A 98 Eme orocanide face) cn Dn O O racao logo STE qué 94 somem Conecte 101 irugo Cl TORGA oro, Crosas RO PGR PR RO RR RR RD AD 109 Windenorime leão approximoqu=Ser ano caia a eis dea al aaa o a Io aros Cha-Mialundo sc air da RR RR OM DO 132 sTlonndO E GENS e ORA PC RR RO SRA ER 137 Bambi... ..... E 6 SACRA ONE CEAR QUIS LOERO 144 casca 6 Iii opp. a 148 Um carmo Ce lSdo is a dp O Dar ou NEAR DR 161 po muinhaneca Iupollo-. “sa donas simao spas A re Seo DU) nmllas un ing aj e RR 1d nele phantesM mr oa DN DA RR UT 185 siundiognas Joendalitrolo Nao a a RR RED E RP TRONO OR 198 paris a nam dino as RD EPs Sd) io cb SR ana So 19% Wilhers mundiniba saias Sena emas S o AGE ad 201 Solrando um latido, desapparece.. ces au nes saia oie Sc EA dera ali 205 niqnlineo Go ME RtroAlo és rr gra AS Po q DR RR RA 208 Epic neRouiden sis o pen o Dee a PA DRA aRe 213 Elo md orElymales o RO sa A nr ra SD 221 “To Inema aihaioa nan rea a no PARE a de GRE ERR 225
ElontemdoREumbes rs es da RA DO 229
XIV Indice das gravuras
Pag. DES ERAS SS o tone ta de mL ND RSA UT SA 242 pala (macho). ei Sus o a RR RS A 249 Mulher da Eandas sam preto Mara a rel rito E ag 259 Apsteatopyeiamiumalhottentote re opp. a 254 Nas margens do Cueio. giga ee rata adio a Eno eco Ha o pp 265 Mulher amboellardo Cubango: E E PR 269 Elomem amboeclla dolCibanso a PE 243 Cabeçarde guga (Eland)... e ara ao RR 280 Passagem do Cuatir.s. sua curados og ação 5 Sra oa RS o 289 Boi do matos o ps eo eres mibimENo situa effgsta ra Reta ef NE E TE ZON Elabitaçoes do Cuito. a ss 2 sms gpga preste oa TS a PR 305 Naturalida Donga.. 4. e riso çoo VE an ap PE 313 IndisenaiRibeminho/do Cuito 321 Escorregsando no Lameiro: a ro po Red BR) TEypo-cam-bunda... «Msn suis tias ss elo a ford Er RE o PA 391 Tão grande era a abundancia e variedade de animaes....... opp. à 398 Capadyi(cabra dos pantanos) Jd o 341 Peixe do rio Conjumbia;sa -42guao crao des a aba rep 345 Muene Caliri arts ss aro, 3 5 Mp eo END 349 Indigena láuma a... qa eba conta alo ee pote laio forro E E do Zebra. do eçanns ete io 6a o talat ao 6 o A E pa do e 365 E perseguindo uma recua de zebras; fere duas ...-... =. opp. a 368 Cabeça de palanca., seco spiotia dove onua CUP do epa 6 a E 313 Elomem do Lobale rr ata TVD a 6 10 8 2, 6 a E 34 Muipelo Me cj area o Wajeiro o E eane tada to ad Poe ça£d a a 380 Antilope Caamái. a ss ams disstajag e Saio a E fala anca o 8 Te ode E E 389 Indigena do Geni: iso uma ao a cs Ga spa ra e do 391 Mulheres ba-runda ....% 2. cena pices as eae vigora PS E 405 | “Cabeça de harrisbuck.. 2... tuo .o seio cms ana o nr /o ERR 409 Egpo ca rótze. ses css era dao qo EN SAE Sara jo ENA 413 Phacochocrus afr... un cons anais o ai, e ama o E 41% Antonio empoleirado. 20, s = a Bispo pj erra fer vale E RR 425 Mulher amboella .... usas Sopa ir epe e a go à leio RR 429 Ffomem amboella. .. .'. cg ico aero ide e tapa = ED 435 Quissema ZEgoceros ellipsiprimnus (femea)... o 431 Quissema Asoceros ellipsiprimnus (macho) 441 Narguilé gentilico . ... 0. 2.2u o unas resta o polo a Sie PR 448
Mappas (quatro).
INDICE DOS CAPITULOS
ESEU CORES PO RICO! e are apr MAPA O o ER ola apa 1a O RS Baeanoo; DECONGO SE see ss cr erofa ro pera O SU crai Eros o Ne aa E aa Da VS ta a ETA O Te LAN ADE R AV FRA Pag.21a 37 EISPORTAPPOBURICA:DO CONGO) Emas sexo tsteto ore spo Soa! teto! Mb ou o apo Veloso to) des o Pag.39a 51
CAPITULO 1
NA COSTA OESTE
Em Angola — Aspecto do cordão litoral e sua vegetação — Terras do interior — Entre Cuanza e Bengo, quadro triste — Problemas que nos propunhamos — Material e pes- soal — Considerações — Artigos da expedição — Francisco Ferreira do Amaral — Uma noticia historica — Salvador Correia e a conquista de Loanda — Fortalezas e edifícios publicos — Os jardins, os muceques, a vegetação, a salubridade e a ilha —
Os muxi-loandas e a sua opinião aristocratica — Rendimentos e governo —Tribunaes judiciaes — Considerações sobre os deportados e colonias penaes......... Pag. 59 a 81
CAPITULO II
PRIMEIROS PASSOS
O companheiro negro e a sua ingratidão — À corveta Rainha de Portugal e a abalada — Porto Pinda — Os areaes e a primeira noite — Ponto de partida e rasões de sua es- colha— O homem põe e Deus dispõe — À primeira marcha e o aspecto do terreno — Caracteres geologicos — Os habitantes do Coróca e o clique dental — Numeração — Dos trajes e mulheres — O adulterio e os funeraes — O boi preto e a circumcisão — Terrores gentilicos —Vegetação do Coróca — Fauna ornithologica — Fuga de qua- FOnta CrdOLSPROMENS Rr Tpe NS ce pesto opala) Va VEo or fo LEO Evo Ito CN LOLA SE e o eia ade L Na Pag. 83 a 106
o
XVI Indice dos capitulos
CAPITULO III
NA REGIÃO LITORAL
Mossamedes — Breve noticia sobre a historia da sua fundação — Clima, constituição geo- logica e vegetação — Tribus indigenas — Habitações — Uma marcha vertiginosa — Cincoenta e quatro milhas em vinte e cinco horas — Uma necessaria refeição e o encontro dos fugitivos — De novo no rio Coróca — Noticia sobre este — Suas mar- gens— Fadiga da marcha — Uma cheia — A solidão e os animaes silvestres — Re- gresso a Mossamedes — Partida definitiva para o sertão — À geologia e os odres —
O primeiro bao-bab— A aridez “do paiz e recuas de zebras — À couag-gha? — De- positos de agua — Pedra Pequena — Pedras Grande e Maior — Nestor, o caçador de leões — Uma morte ridicula e uma visita inesperada — À agricultura no districto e a villa de Capangombe — A fortaleza e duas considerações geologicas. .. Pag. 107 a 133
CAPITULO IV
CHELLA ARRIBA
.
A zona litoral e o planalto — O vento sueste e as accumulações de vapor — As portellas do Bruco, de Calleba e da Banja — A serra da Chella e as convulsões geologicas ali — Antigo aspecto d'esta— A escalada e a vegetação — São 1:829 metros — Pano- rama — O terreno, a caça e duas considerações sobre a distribuição zoologica dos animaes em Africa— A cobra e o carneiro do Nano — Historias indigenas — Pheno- meno atmospherico notavel — A Huilla — Sua salubridade e vegetação — Importan- cia agricola — Plantas uteis — A propaganda e os geographos — A viação accelerada, — Directriz media da linha a estabelecer para o interior —Vantagens d'esta — Colo- nisação e considerações sobre ella — Zonas mortiferas......iscccresero Pag. 135 a 158
CAPITULO V NA HUILLA
Coincidencia feliz — Antonio Carlos Maria, o companheiro caçador — O acampamento e o soba da Huilla — À feitiçaria — Suas relações com os regulos — A habitação do feiticeiro e os instrumentos do officio — Processo de adivinhação — Uma scena pela, noite— A missão da Huilla e os missionarios — Duparquet e a sua obra — Partida para Quipungo — As florestas e o passaro cabra — À fauna da Huilla e as penedias de leste — Os ba-nhaneca e os dentistas — Effeitos do tiro entre africanos — A habi- tação do soba de Quipungo —Visita ao regulo — Um companheiro apeado e o re- gresso pelo sul — Casulo estranho — Considerações. ................... Pag. 159 a 182
Indice dos capitulos ETTA EH
CAPITULO VI
AO SUL
Consolações de quem viaja — A abalada da Huilla — Uma fuga e o abandono das camas — O Chimpumpunhime — O caminho dos Gambos e os espinheiros — O Tongo-tongo ou o morro sagrado — Os dias n'esta terra — As florestas e a fauna — Os ban-dimba e a sua voracidade —Vestimentas e proceder para com os mortos — Considerações e a festa da hela — Iorocuto e uma erupção granitica — Cahama e Xicusse— A mesa e suas consolações — Quatro elephantes e a fauna ornithologica — O crocodilo e a pomba — A floresta que termina — Os ba-cancalla ou bushmen; duas palavras a res- peito d'elles — Tatouage, armas envenenadas — Seu caracter — O Humbe e a caça considerada pelos ban-cumbi...... SS OO RSRS NE CNE or BASS A
CAPITULO VII
ENTRE OS BAN-KUMBI '
O Humbe — Sua posição — Quadro historico — Os ban-kumbi e os seus costumes — Habi- tações e typo — O hamba — Homens e mulheres, seus trabalhos — Chronologia e fes- tas — Funeraes — Missões catholicas — Os bana-cutuba e o Cuanhama — Proezas de Nampandi — Riqueza dos cuanhamas e um aperçu geologico — O ronco do leão im- pressionando no mundo animado — O cacimbo e as considerações — O Cunene e o alagamento marginal — Mupei encontra a mãe — À caonha e o processo da vaccina — Os reptis e a vegetação — Zero de graus e a impressão consequente — Um almoço
10
ACICOULO, sorrisos MS ST a O o rafa Tea na E TE E E ER ERES PR RE TE Pagialida 231
/APITULO VII
ENTRE CUNENE E CUBANGO
A reluctancia dos guias e o recurso dos bois — À fome e um quadro do sertão — Disposi- cão geologica das terras percorridas — Rochas vulcanicas e minas — À vegetação, o, frio e os lobos — Cobra original — A caça e as pégadas do elephante — À noite e o charivari das feras — As matas da Handa — Cachira — Os povoadores d'ali— As mu- pandas e a terra sem pedras — À cabra que assobia e os bushmen — A steatopygia — A natureza do solo; conversa com um indigena — Os ba-cua-neitunta — Exageros gentilicos — O leão e os mabecos — Os macacos e o armadilho — O Cubango — Consi-
HERACOESTEO NECLO NGOCCUESD & Mp dt o Ros ce S qhara vma a ninibio ae ora 00... PAG. 299 à 2062
SEVBAL ei “Indice dos capitulos
Ed
CAPITULO IX
O RIO CUBANGO
Sete annos depois — O caminho de Moçambique e as caras volvidas ao sul — Muene Ca- tiba e a mandioca — Entre os amboellas — À confluencia do Cutchi e a doença de Muene Mionga — Um trabalho photographico interrompido — Scenas de feitiçaria — Tribunaes africanos e uma anecdota sobre o caso — Os ma-chaca — O rio Cuebe — Subitas deserções e uma noite de angustia — Philosophicas considerações que um funeral remata — O rio Cueio e os atoleiros que o marginam — Frios, sêdes e fomes — O rio Cuatir— Natureza do solo e os pantanos intransponíveis — Aldeias lacustres — Ainda um atoleiro e a pobreza das plantações — Um chefe mais humano e a morte de um companheiro — À fome — Duas considerações sobre a geologia africana — Adeus Cubano. a eira to o !ejo o veio raito fofo Pa to ooo daN o hoo Sa o fo Po EA o JOR ao AD Pag. 263 à 2
CAPITULO X
A CAMINHO DO ZAMBEZE
As poeticas impressões da chegada e a consequente desillusão — Soffrimentos que nos aguardam — Ainda o Cuatir e a perda de um homem — O rio Luatuta é como o Cua- tir— Libatas miseraveis e a situação dos nossos — À caravana torna-se n'um bando de salteadores —Visita de grupo singular — A mulher soba e a penuria de viveres — Considerações e ingenuidade sem igual — A partida e a fuga de dois homens — O Longa e a fuga de um outro — Continuam o deserto e as zonas areosas — Às mupan- das e a altitude — Pouca caça e o rio M'palina — Um acampamento cannibalesco —
Os caçadores de ratos — Subsiste a fome — Mupei, o esposo infeliz — Curiosidade dos man-bunda — Os bois-cavallos e as suas vantagens em viagem — Efeitos de miragem e um animal como o gnú — O Cuito e sua noticia .........ccccccriciass Pag. 287 a 309
CAPITULO XI
ACERCA DO NEGRO
O indigena africano — Similhança de caracteres, difficuldade em descriminar typos e fa- milias de origem commum — Traços caracteristicos do negro — Aspecto geral — In- dicações scientificas sobre a conformação craneana — O europeu e o ethiope enca- rado pelo lado esthetico — Os hamitas e a philanthropia — Uniformidade de ser, sob o ponto de vista intellectual — Feitiços — O Otjiruro, os Sandis e o Zambi — Super- stições e o terror pelos mortos — Difficil comprehensão — Dados cosmogonicos indi- genas — O sentimento moral e as lendas — Difficuldades de estudo — À lingua e os
Indice dos capitulos XIX
costumes — Traços approximativos de tribus distantes — Dâmaras, ban-cumbi, ba- cuatir, bayeye, ban-dirico, etc. — Enterramento dos defuntos e pratica da circumci- são — Ba-yeye, namácuas e ba-coróca, suas habitações — Os ba-vico os ba-visa e os clicks — Tendencia nomada — Os ba-cuanaiba e a Cafima — A emigração e a influen- cia do pantano — Os ma-tchona e os dâmaras — Tribus que originaram — Os ba-nha- neca e os ban-cumbi exceptuados — Os dâmaras e ainda uma tentativa para atinar com a sua proveniencia — Opinião de Anderson— A arvore progenitora — Conclu- SÊ o é o 0 o RN RR pato PMES de dei O O boo nododBa coa (RES Eb Lg) as)
CAPITULO XH
LODAÇAES E LAGOAS
Adeus Cuito — À carne e a morosidade das marchas — Os ba-cuito e os ma-côa — Planu- ras monotonas e phenomenos de miragem — Libatas lacustres e timidez dos indige- nas— O bijou africano e um tombo inopinado — Artigos de alimentação e trajo dos ba-cuito — À Adenota léchee? — As planuras e a caça — O hopo — Um homem perdido — A cobra da areia e as florestas do Conjumbia — Mam-bunda, trajos, funeraes dos sobas — Um homem abandonado — As meningites cerebro-rachidianas — O muchito de Cajimballe e os elephantes — A terra do Cubango ao Zambeze, e as difficuldades do transito — Considerações amargas — O cyclone de 18 de agosto — Modo de attra- hir as gazellas pelo som — Muene Quitiaba e os ba-iauma — Os guias e o alagamento — Critica posição dos chefes e da caravana entre o arundo das margens do Cuando — O rio irá ao Zambeze? — Com o apparecimento do milho esquecem-se as fadigas — O rio Cuti e o trilho commercial do Bié— A bacia do Congo e a do Zambeze — Considerações consequentes — O paiz é park-like ............. sb 000 005) PeHSs GRdl py Gr!
CAPITULO XII
NO VALLE DE BARÓTZE
A lua de agosto e os nossos receios — Idéa geral sobre a distribuição das chuvas na Africa tropical do sul — O cloud-ring e o seu movimento para o meio dia — Retardamento na marcha pelo oriente — O limite sul e as quatro estações — As marchas do Cuti e Muene Lionze — Os acampamentos de Silva Porto — Os man-bunda e o elephante — Curiosidades — O Ninda e uma sepultura — Aspecto pittoresco do valle— O dco e o seu aroma — À caça e um obito — Perda de companheiro — Gnú, cabra e nº'caca — O silencio da noite — Calungo-lungo e os luinas — Typo d'estes, e pouca importancia das entrevistas africanas — O paiz é um parque; abundancia dos animaes n'elle —
Os cães e seu prestimo na caça do gnú — O alagamento crescente da terra — Ausen- cia do tabaco e presença da palmeira — Guia feiticeiro e adivinhação inesperada — Os ba-nhengo ladrões — Muene Munda e os seus dotes physicos — Um capote de in- testinos de elephante — A musica e um baile de doze horas — Impressão produzida pelas beldades da terra nos auctores d'estas linhas — A caça e a quadra da creação — O acampamento pela noite — Multiplicam-se as lagoas — A expedição emfim at-
tinge o Zambeze......... Ena e id Mae POR o E ás ENT E END AONRTE Pag. 355 a 381
Indice dos capitulos *
CAPITULO XIV
LIBONTA
Territorios atravessados e outros a percorrer — O que havia para alem do Zambeze —
A nossa curiosidade e o que se pensa sobre a Africa — O que é a final o interior do continente — As planuras zambezeanas — À verdade sobre ellas — Difliculdades, ven- tos e temperatura — E uma d'essas regiões de que falla Stanley e onde Livingstone pereceu — Contraste compensador nas scenas de caça — Opiniões de Livingstone e nossos juizos antecipados — Abundancia de antilopes e o hopo — Libonta — A vege- tação ao tempo d'aquelle viajante e agora — Seu aspecto — A terra em redor — Mu- cobessa e os habitadores do Genji — Seus trajos e porte das mulheres — Uso immo- derado do rapé e o lenço dos luinas — Profundo abatimento physico da gente da expedição — Dia 13 de setembro — As moscas de Libonta — Caçada às rolas — Or- nithologia do Zambeze — Considerações geraes sobre o valle de Barótze e trilhos que
ali CONAUZEDA oa too ra loser pone na ole iane Potato | oo E Lea fas RS SS O Sm pd nO 00 66 - Pag 385 à
CAPITULO XV
DE LIBONTA AO CABOMPO
Programma de viagem — À nossa satisfação e o susto que dominava os carregadores —
(Con
Rasões d'esse facto — Meios de querer impedil-o — O Liambae e o Cambae — Os ma- róze, habitações e trajo — Decepcões e roubos curiosos — Inopinada noticia sobre o apparecimento da mosca — Palancas, léchees e um leão — À Hyphane ventricosa e o papyrus — Encontro com a tzé-tzé — Duas quissemas, um Felix jubata e um songo — De novo na floresta, vantagens do apparecimento d'esta— Os ataques do leão e as nossas ordens por tal motivo — Nos limites do estado da Lunda — O Muata Tanvo e o seu prestígio — À liberdade do negro e duas considerações a respeito d'elle — A maior das victimas, a mulher — Afastamento dºesta de todos os negocios-e recepções, e condição social do selvagem de hoje — Mantimentos à farta e satisfação conse- quente — O typo ca-runda e o ca-róze — Informações sobre o Cabompo e effeito das palavras de Muene Chilembi — Os mangoia e o receio da mosca — Pretensão inespe- vada de um bando de salteadores — Um dilemma para ponderar — Tentativa de fuga de um carregador e o rio Cabompo................ dereio aa ioloiolo a spc - Pag. 403 a
CAPITULO RV FERA NATURA
siderações tristes — O deserto e o silencio — O Cabompo e a noite — O elephante e o arvoredo — Limite ao terreno silicioso — Primeiras rochas — À floresta e os animaes silvestres — Perda de um companheiro — Homem e cão mortos — Dois elephantes — O somno da girafa e obito de outro homem — Fuga de um carregador — Morte de mais um cão — Individuo perdido no bosque — O rhinoceronte curioso e os erocodi- los do Cabompo — Os destroços do leão —Vam-Boôé — O leão e uma noite de poleiro
401
421
— Beiços furados € seios pendentes — À primeira tempestade. .......... Pag. 423 a 448
PREFACIO
Desde a publicação do nosso trabalho denominado De Benquella ás terras de Jácca, em 1881, não tivemos a satisfação de ver livros, nem mappas ou outros im- pressos de ordem qualquer, que muito adiantassem os conhecimentos africanos do mundo geographico da Kuropa.
Omittiremos, é claro, os esforços relativos á abertura do Congo, nos quaes aliás se comprehendem labores mteressantes, mas que, pelo seu caracter essencial- mente pratico, executados n'uma região em grande parte conhecida, não devem aqui encorporar-se.
O livro hoje submettido ao publico encerra a histo- ria de uma peregrmação, modelada passo a passo nos apontamentos do respectivo diario; e embora não tenha a jactancia de descrever cousas fóra do vulgar, nem
por isso deixa de longe em longe transluzir a íntima
XXI Prefacio
convicção de que algum merecimento teve quanto em Africa fizemos.
Os resultados praticos que della possam advir não compete a nós aprecial-os, pois em geral o homem que considera e mais tarde attenta na propria obra, é quem d'ella menos se satisfaz; não nos é aprazivel, porém, suppor que o facto de percorrermos com cuidado 4:500 milhas de terreno sobre as zonas que mais nos pare- ciam proprias se não necessarias de visita, deixe de l- sonjear o espirito dos africanistas, ou escape desaper- cebido, embora pouco luminoso, nas ignotas e escuras manchas da Africa selvagem.
E mesmo muito provavel que a parte do nosso tra- balho do Zambeze para o oriente apresente alguma cousa de importante, por ser feito em um novo cami- nho (o mais curto e melhor talvez), por onde a civili- sação e o commercio da costa occidental podem facil- mente attingir a região dos lagos.
O aspecto arido e imnhospito do grande continente, o barbarismo dos seus habitantes, os horrores da vida selvagem, que outrora emmolduravam as idéas sobre aquella terra estranha, constituem notas que começam a apagar-se no meio do concerto das acelamações vo- tadas a quem se empenha na difficil empreza de lhe desvendar os mysterios, são factos que impressionam ao presente, um pouco á similhança de quando, apoz phantastico sonho, se passa a positiva realidade.
Hoje já ninguem vê na Africa senão um dos vastos
quarteirões do mundo, tão proprio á vida como qual-
Prefacio XXIII
quer dos outros conhecidos, tão digno de desvelo como o mais rico dos supracitados, amplo campo de afam commercial, cuja primeira base de segura civilisação cumpre ou antes é dever do europeu explorar, não só no interesse dos seus habitadores, como em proveito do trafego commum; emfim, de esquecido e oceulto que foi, tornar-se-ha dentro em pouco opulento, cubi- cavel e assás visitado, transformando-se n'um grande centro de consumo para todo o excesso da nossa pro- ducção.
Longe vae a epocha dos terrores que esse Sahara originou, como barreira intransponível á curiosidade, em que a Abyssinia era por assim dizer um sonho, Timbuctu um mysterio, as nascentes do Nilo um pesa- delo.
De vagar se proseguiu, é verdade; não foi porém nossa à culpa, ou porque o homem, no irresistível im- peto de tudo subordinar no planeta terrestre ao domi- nio do seu querer, esquecesse esse immenso continente que proximo lhe ficava; mas sim proveiu do subito ap- parecimento do outro campo de exploração —a Ame- rica, cheio de riquezas e em superiores termos de uti- lisar-se, mais consentanea a ser tratada pelos meios de que dispunhamos, a navegação, ligando-se á Europa finalmente pela melhor das estradas —o mar!
A America deve contar-se como um dos factores que muito influiram para a demora na civilisação do conti- nente negro, por absorver ahi durante seculos todos
os esforços da Europa, e, estendendo-se de um ao
XXIV Prefacio
outro polo, cmgir nos dois hemispherios zonas varia- veis, entre as quaes se contavam algumas de tropical caracter, onde só o preto podia trabalhar com o pre- CISo animo.
E o branco, procurando imtroduzil-o al, teve de o buscar e perseguir em África, implantando com egois- mo n'aquella terra imfeliz o maior dos flagellos, e pon- do-lhe o mais serio obstaculo ao humano progresso — a escravatura.
Agora, que da America já não trata, arrependido pe- nitenceia-se contricto, posto que interessado, e d'esse mteresse despontou a aurora da liberdade em Africa e vae breve raiar com todo o esplendor o sol da sua felicidade.
Continue pois a boa vontade no trabalho, saiba o capital aproveitar-se do muito já feito, eis os nossos votos, convencidos de que mais duas duzias de annos bastarão para transformar radicalmente as cousas no extenso contmente.
“onecluidas estas considerações, benevolo leitor, res- ta-nos a tarefa pouco facil, embora menos escabrosa que uma travessia, de pegar-vos pela mão, e condu- Zir-vos passo a passo n'essa tortuosa vereda por nós trilhada, desde Angola até Moçambique; de vos guiar por meio de serras e planuras, pantanos e desertos; de patentear-vos emfim todos os soffrimentos, fadi- gas, fomes, chuvas, angustias e mortes que nos ser- viram de lugubre cortejo desde o mar Atlantico até ao
Indico!
Prefacio XXV
Não conteis com uma muito attrahente companhia, porque é sempre um pouco rude o convivio do explo- rador, mas em paga ser-vos-ha agradavel a certeza de que encontraes aqui a inteira verdade e o muito firme proposito de vos prestar um serviço que cremos sem duvida util.
Sendo hoje o desejo de tudo conhecer e averiguar a feição predominante do seculo, no qual a ignoran- cia é uma prova de fraqueza, estamos certos de que, abrindo nova faxa do continente negro à comprehen- são de nacionaes e estrangeiros, e tentando na pre-- sente narrativa registar quanto ali vimos de mais im- portante, teremos jus á maior das recompensas, a de bem merecermos dos que se interessam pelo progresso da humanidade.
Antes de nos adiantarmos, porém, pelas paginas que vão seguir-se, cumpre-nos em duas linhas exprimir o nosso reconhecimento ás provas de elevada conside- ração com que nos honraram ao regressar.
Não podendo seguramente fazer o que desejavamos, isto é, especificar aqui todos esses factos, para nós de tão grata memoria, limitar-nos-hemos a registar quan- to nos interessa, recebam e comprehendam n'este sin- | gelo tributo uma prova do alto apreço que nos me- recem. ;
A Suas Magestades El-Rei e a Rainha, e toda a Real Familia, pelos altos favores e distincções que nos dispensaram, respeitosamente aqui traçâmos a expres- são do nosso profundo reconhecimento.
XXVI Prefacio
A Sua Magestade o Imperador do Brazil e à Au- gusta Princeza sua filha, e a Sua Magestade a Raimha regente de Hespanha, a homenagem de respeito, pelas provas de deferencia que se dignaram conceder-nos.
Á Sociedade de Geographia de Lisboa, e particu- larmente ao seu presidente Antonio Augusto de Aguiar e secretario Luciano Cordeiro, cumpre-nos em espe- cial assignalar um extremo reconhecimento, pela bri- lhante recepção que nos preparou como recompensa ao exito das nossas lides exploradoras, confermdo-nos ainda a sua medalha de oiro.
Seguem-se as Associações Commerciaes de Lisboa e do Porto, o Atheneu Commercial da mesma cidade e a Sociedade de Geographia Commercial, assim como a Sociedade Geographica de París, que, offerecendo- nos espontaneamente medalhas de oiro e diplomas de seus membros honorarios, nos consentiram figurar ao lado de tantos homens distinctos, cuja auctoridade é na sciencia e no trabalho um esteio para idéas gene- rosas e incentivo para novos commettimentos.
Ás populações e auctoridades de Lisboa, de Porto, de Coimbra, do Funchal, da Praia, de Loanda e da ilha de S. Vicente, á corporação da Armada Real Por- tugueza, a que temos a honra de pertencer, e á juven- tude Academica de Coimbra, aqui lavrâmos um affe- ctuoso protesto de gratidão.
Ás Sociedades de Geographia de Madrid, de Roma e do Mexico, pelos diplomas conferidos, ao Centro Mi- litar d'aquella cidade, e especialmente a s. ex.º o sr.
Prefacio XXVII
Moret, o testemunho de muita sympathia, bem como ás sociedades e associações estrangeiras, e a tantos cavalheiros illustres que nos significaram, pela sua li- sonjeira apreciação, o quanto valiam os serviços que acabavamos de prestar, como são o nosso particular amigo o ex.”º sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva, director geral do ultramar, e ainda aos cavalheiros do Cabo da Boa Esperança e ao prime minister Upim- gton, d'aqui enviâmos a nimia expressão do sentimento que nos domina.
Muito particularmente reservâmos uma especial re- cordação ás terras da nossa naturalidade, pelas subidas demonstrações com que nos honraram, bem como aos nossos compatriotas no Brazil, e em especial áquelles que nos distinguiram com um precioso volume conten- do as suas assignaturas, e outros com pennas de oiro, enviâmos a nimia expressão do nosso grato sentir.
Ás Camaras Municipaes do paiz e das colonias, aos Clubs que nos honraram com especiaes saudações e diplomas, á imprensa periodica que tão delicada e li- sonjeiramente apreciou os nossos trabalhos, e a quan- tos, emfim, possam mvoluntariamente ser olvidados, um sincero agradecimento.
É por ultimo cabe-nos aqui vincular o nosso reco- nhecimento á administração geral da Imprensa Nacio- nal, aos srs. revisores, compositores e estampadores, pelo interesse e decidido apoio que nos dispensaram, e sem o qual este livro tarde appareceria a publico.
Lisboa, 30 de setembro de 1886.
Mp. Cuapolio — Ke CLrers.
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ESBOÇO HISTORICO
E julgareis qual é mais excellente, Se ser do mundo rei, se de tal gente.
CamõEs, Lusiadas, canto 1.
L'Afrique intérieure a été découverte et parcou- rue par les portugais au xvI* siécle... Les portu- gais de cette époque connaissaient mieux Vintérieur de ce continent, la région des lacs, etc., qu'on ne la connait aujourd"hui... Livingstone a donc retrouvé seulement ce que les anciens portugais avaient dé- couvert, et encore il s'est servi de renseignements portugais sans avoir la loyauté de le dire.
L'apBÉ DURAND, de la Société de Géographie de Paris, lettre du 16 septembre 1880,
- Às tentativas feitas pelos portuguezes para devas- sar a África e transpor aquelle continente, ligando a provincia de Angola á de Moçambique, são de bem velha data.
Se fôramos escavar no pó das bibliothecas os livros e documentos que de similhante assumpto tratam, e folheando antigas chronicas transcrevessemos os capi- tulos que lhes dizem respeito, veriamos que volumes eram necessarios para desenrolar similhante questão, que, por vezes estreitamente ligada ás proezas pelos nossos antecessores praticadas no oriente, nos levaria à narrativa das nossas brilhantes tradições, 4 exposi- ção d'essa epopéa sem igual, de que deixímos o vin- culo em gloriosos padrões por todo o globo.
2 De Angola á contra-costa
Como, porém, não é nosso intuito demonstrar mais uma vez, o que de resto toda a humanidade conhece, ser Portugal uma nação que se ufana de com o seu genio e com o braço dos seus conquistadores ter tra- cado as mais brilhantes paginas dos annaes da civih- sação, e se orgulha de ter primeiro que nenhum outro povo plantado a cruz e a bandeira nos mais remotos confins da terra, deixaremos em socego as velhas chro- nicas, para evitar digressões, não abandonando no em- tanto a imstrucção historica, pela qual vamos passar com a rapidez possivel. |
No começo do xv seculo Portugal, após as gran- des convulsões penmsulares, enceta com a tomada de | Ceuta a grande tarefa de devassar o Negro Continen- te. É ali que D. Henrique, o infante sabio e principal heroe d'esse assombroso feito de armas, em contacto com o torrão africano, e ouvindo as maravilhosas narrativas que Edrisi, natural dessa chave do estrei- to, conta do interior, mais uma vez concerta o plano, já formulado, de procurar pôr-se em relações com o mysterioso Preste João.
Volve á patria, e apenas descansado de tamanha fadiga, começa os seus emprehendimentos maritimos n'esse sentido, ao passo que, como nos conta ÁAzura- ra, se empenha tambem em obter informações do in- terior do continente; d'esse continente que fascinára o mundo romano e o medieval com as miragens de riquezas prodigiosas; d'esse paiz do sol, do oiro, do marfim e dos escravos, cujo amago era um mysterio!
Assim, 4 medida que vemos esse manto caliginoso, que a superstição e a ignorancia haviam lançado sobre
5)
Fisboço hastorico õ
a vastidão do mar irrequieto, ir sendo rasgado pelo argenteo e luminoso sulco das caravélas, vemos tam- bem de par, aventurosos enviados do mfante lança- rem-se na incerteza dos sertões, para arrancarem ao desconhecido os segredos que a natureza parece tão avidamente oceultar ahi.
Haviam-se apenas descoberto os Açores e a Ma- deira, estava amda presente no espirito: de todos a lembrança da passagem do terrivel Bojador, quando em 1445 Portugal lançava no mterior do continente o primeiro explorador europeu, o primeiro homem que, abalado da velha Europa, punha olhos n'essa terra mysteriosa.
João Fernandes, companheiro de Antão Gonçalves, que capitaneava uma caravéla em viagem para o rio do Oiro, e que estivera captivo em Marrocos, conhe- cendo por isso a lingua arabe, offerece internar-se com os azenegues, e sete mezes divaga pelo mterior, penetrando até Tagazza, no paiz dos tuaregs. À sua relação, anterior um seculo a Leão Africano, dá-nos, ácerca das caravanas, mformações em tudo conformes com as obtidas por este geographo arabe, bem como em acerto com as de Clapperton, Marmol, Jackson, Denham e os itmerarios do barão Walckenaer, Bur- ckardt, Oukney e Rennell.
“No dizer do visconde de Santarem, torna-se sobre- tudo notavel a analogia que offerecem as mais sm- celas particularidades de sua narrativa com aquellas mais tarde escriptas pelo mfeliz Mungo Park.
Dois annos depois volve ainda João Fernandes á provincia de Sus, a fim de vigiar em Messa as cara-
4 De Angola á contra-costa
vanas que vinham de Timbuctu, desapparecendo então dos dominios da historia.
D. João IL subíra ao throno portuguez, e, como principe illustrado e zeloso do engrandecimento do seu paiz, toma sobre si a grandiosa herança do im- fante D. Henrique, procurando com afan o caminho da India. São seguidas as viagens para conseguir tal fim, não tardando que o distmcto monarcha tivesse um premio a tantos esforços, na descoberta do cabo que elle denommou da Boa Esperança; descoberta que, legada a seu feliz successor, lhe deixava aberto e franco o caminho para este riquissimo paiz, que tornou Portugal, de pequeno reino europeu, a pri- meira potencia maritima do mundo.
A lenda do Preste João das Indias, que tanto.vogára na idade media, oceupando o espirito dos cosmogra- phos e dominando as attenções do infante, tinha mu- dado agora para um paiz situado nas regiões niloticas. D. João, continuando com porfia as imvestigações de D. Henrique, procura atacar o Negro Continente pelo occidente e oriente. À imsistencia do monarcha portu- guez dá em resultado a viagem, em 1486, de João Affonso de Aveiro, que explora o delta do Niger e penetra no remo de Benim, dizendo muito da Nigricia mterior. No anno immediato outros viajantes se lhe seguem, e Pero de Evora, Gonçalo Eannes, Mem Ro- drigues, Rodrigo Rebello e Rodrigo Remel recolhem informações novas sobre a região percorrida pelo Ni- ger desde Timbuctu, e d'essa cidade até ao Senegal.
Pelo oriente o imabalavel rei prepara a celebre expedição de Affonso de Paiva e Pero da Covilhã,
Hisboço historico 5
D. João II pretendia relacionar-se a todo o transe com o Preste João, e para isso lhe enviava cartas por estes emissarios, em que lhe significava o grande desejo que tinha de saber, se elle possuia cidades no Manicongo (costa occidental), porque elle rei de Portugal ahi tra- ma suas caravélas.
Ao Egypto se dirigem seus embaixadores, e depois de navegarem pelo mar Roxo até ao Aden, Affonso de Paiva corta a Suaquem, na costa da Abyssinia, e Vahi volve ao Cairo, onde fallece; emquanto que Pero da Covilhã, depois de correr o golfo Persico e visitar a costa do Malabar, vem a Sofala, no oriente da Africa, sobe ao Cairo, onde recebe a noticia do fallecimento do seu companheiro, e recebendo tambem ordens do rei de Portugal, para se internar na Africa em busca do Preste João, dirige-se à Abyssinia. Ahi succumbiu o ousado viajante, pois jamais o imperador V'aquelle “paiz lhe consentiu regressasse á patria; não deixando até a sua morte de incutir com suas informações novo fervor nos animos dos emprehendedores portuguezes, que ao tempo já sulcavam as aguas do Indico.
Ao passo que pelo oriente isto succedia, Ruy de Sousa, no oceidente, desembarcava em 1491 na bahia de Sonho (foz do Zaire), e, impulsado ainda pelas idéas e ordens de seu monarcha, procura interhar-se na Africa equatorial em cata do Preste João. Ao lado do rei do Congo, alliado dos portuguezes, investe com o sertão, e coadjuvando-o n'uma campanha contra certas tribus revoltosas do alto Zaire, que habitavam as ilhas e as margens do lago de onde sáe o grande rio (Stan- ley-Pool, sem duvida), Ruy de Sousa toma conheci-
6 De Angola á contra-costa
mento com os mundateque ou anzicos, que não são outros senão os ba-teque ou povos de Macoco, recom- mendando depois msistentemente aos portuguezes o passem para alem do tal lago.
O venturoso re D. Manuel completa a obra mi- ciada pela escola de Sagres e continuada pelo Principe Perfeito. O domimio portuguez estende-se ao extremo oriente, todos os principes da Ásia nos são tributarios; e, desde Suez e Ormuz até Ceylão e Malaca, desde o Japão e Chima até ás Molucas, tudo os portuguezes commandam, todos os mares elles cruzam. |
O continente africano passa então a oceupar uma posição secundaria no grande plano de dominar o glo- bo, não deixando, porém, de merecer amda cuidado, pois D. Manuel não persiste agora só em relacionar- se com o Preste João, e intenta de novo cruzar esse paiz, que parece obstimar-se em negar o mgresso à expansão europêa. |
Assim, em 1508 Affonso de Albuquerque manda pôr em terra no Porto Feliz, perto do cabo Guardatwm, a Fernão Gomes Sardo, João Sanches e Cid Mohamed de Tunis com duas cartas para o Preste João. O mouro havia afiançado que a sua tornada a Portugal seria por Timbuetu, e d'ali a Arguim pelo rio de Canaga (Senegal), camimho que elle já conhecia.
Em 1521, diz Damião de Goes, envia D. Manuel a Gregorio de Quadra, homem experimentado e que percorrêra toda a Arabia, ao rio do Congo, com ordem expressa de procurar o caminho dali até à Abyssinia.
A morte subita do monarcha, que teve logar n'esse mesmo anno, tolheu a empreza de ir por diante. Acha-
Fisboço historico q
vam-se comtudo no Congo dois homens emprehende- dores, que em longa pratica do sertão buscavam o projecto de percorrer o curso superior do rio, e esses homens eram Balthazar de Castro e Manuel Pacheco, aos quaes o rei defunto havia em 1520 enviado ims- trueções para o completo descobrimento do remo de Angola. Balthazar permaneceu seis annos no mterior, afiançando, em carta datada de 1526, a D. João, ser navegavel o curso superior do rio; Manuel Pacheco escrevia em 1536, que o rei do Congo tinha já la- vrada madeira — acima da quebrada que o rio tem (Yelalla?) — para dois bergantins, onde elle esperava
ir fazer o descobrimento do lago.
A 15 de março de 1546, D. João III escrevia aos portuguezes que residiam na Abyssinia, para tentarem descobrir e explorar o caminho entre aquelle paiz e o Congo, ordenando ao governador da India que lhes mandasse mstrumentos e lhes desse mstrucções ácerca do modo de determinar os diversos pontos do trajecto e os trabalhos a fazer.
Em 1560 o padre Gonçalo da Silveira percorre a Mocaranga, indo morrer no coração da Africa austral, na Lunda do Cazembe, ao oriente do Luapula, logar onde, dois seculos mais tarde, outro martyr da explo- ração africana, o dr. Lacerda, havia tambem de en- contrar a morte.
Logo em 1565 D. João Bermudes, patriarcha de Alexandria e Ethiopia, publica a relação da embaixada ao Preste João, divulgando na Europa curiosas infor- mações do que víra n'aquelle paiz, onde residiu mais de quinze annos.
8 De Angola á contra-costa.
Cinco annos depois Francisco Barreto, em procura das minas do oiro do Monomotapa, penetra até dez dias de jornada acima de Sena. Vasco Fernandes Ho- mem, que lhe succede, entra por Sofala e vae até alem da Chiconga. À estas expedições pela costa oriental podemos ainda juntar, no fm d'aquelle seculo, multi- plicadas viagens feitas pelos portuguezes de Angola, no intuito de devassar os adustos sertões do Negro Continente.
E assim que numa relação coeva, ultimamente pu- blicada por Luciano Cordeiro, se allude ás frequentes communicações dos portuguezes com os reinos do im- terior, no alto Zaire, fallando-se a miudo no paiz do Macoco !, Ibare e Bo-zanga, amda não ha muito visi- tados por Stanley.
Domingos Abreu de Brito traçou, em 1592, um plano definitivo do seguro estabelecimento de corres- pondencia entre as duas costas, apontando a forma- ção de uma linha estrategica de postos militares da banda do oceidente.
Findava o seculo xvr. À situação de Portugal em face do imperio luso-asiatico modificára-se profunda- mente, e, sem embargo, a nossa vitalidade ía sempre accentuando-se em labores differentes, entre os quaes se contam muitos no Negro Continente, e em que avul- tam tentativas para a sua travessia. À obra do mfante
1 O Macoco ou Micoco, é sem duvida o mesmo de que ha pouco nos fallou De Brazza. Ibare não atinâmos muito bem com o que possa ser. Stanley chamou o Cuango, Ibare, e em quiniamezi este termo significa sumptuoso, grande. Vide Memorias do ultramar e A questão do Zwrre, de Luciano Cordeiro.
Esboço historico 9
D. Henrique, ainda hoje por concluir, contmuava a merecer-lhe as mesmas sympathias.
Em 1606 trata-se de novo ao oeste de uma viagem de travessia.
Era então governador de Angola D. Manuel Pereira Forjaz, que, ordenando a reunião de todos os elemen- tos para uma empreza de tal magnitude, encarregou de seu commando a Balthazar Rebello de Aragão, re- commendando-lhe especialmente a descoberta de um caminho para a contra-costa, o que elle sem duvida teria feito, se um ataque dirigido á fortaleza de Cam- bambe o não houvesse obrigado a retroceder”.
Penetrou elle muito no interior, segundo presumi-
mos, pois se refere a um grande lago, do qual até indica o logar. Eis o que diz em sua relação: «Ás provincias que encontrei no descobrimento que fazia para Monomotapa, por mandado de D. Manuel Pe- reira, têem um rei que chamam (Chicova; não che- guei lá por se levantar o rei de Angola contra a for- taleza de Cambambe, a qual vim soccorrer, estando 80 leguas pela terra dentro e a 140 do mar». E mais adiante diz «este lago está em a altura de 16º», o que leva a crer fosse o Nyassa, devendo tambem suppor-se que as sobreditas 80 leguas se contavam a partir da fronteira de Angola. “Dois annos depois Estevão de Athaide dirigia-se da costa oriental ás minas de Monomotapa e Chicova, ao passo que em 1613 o padre Fernandes vimha da Abyssimia a Melinde, por terra.
1 Vide Memorias do ultramar, de Luciano Cordeiro.
10 De Angola à contra-costa
Não decorrem cinco annos que não encontremos novas explorações, vindo o padre Pedro Paes, dois se- culos antes de Bruce, Burton, Speke e Grant, encon- trar na Ethiopia e no remo de Go-Gojan, territorio de Sacahata, paiz dos agaus, um dos tributarios do Nilo, o rio Abai ou Nilo Azul.
Em 1624 sobe o padre Jeronymo Lobo o Jubo, á Abyssinia, seguindo-se logo depois o padre Manuel de Almeida, que, em proseguimento da obra d'aquelle, percorre grande parte d'este paiz. À relação de sua viagem, publicada pelo padre Balthazar "Telles, sob o titulo de Historia geral da Ethiopia a Alta, ow Preste Joiio, esclarece em muito a geographia e ethnogra- phia d'aquella mysteriosa região, que durante tantos seculos fôra a esphinge da Europa curiosa; região que, quasi cem annos antes, havia sido percorrida por D. Christovão da Gama, com quatrocentos portugue- zes em expedição militar, de que Miguel de Casta- nhoso nos deixou a narrativa.
Por este tempo Antonio de Oliveira Cadornega, na costa occidental, percorre durante muitos annos a pro- vincia de Angola, trazendo noticias e mformações so- bre o Macoco e os anzicos.
Segue-se em 1648 Salvador Correia de Sá Benevi- des, que, depois de restaurar Loanda do poder hollan- dez, se dispõe a ir submetter o reino de Pate na Ethio- pia oriental, abrindo caminho entre ambas as costas.
Manuel Godinho, em 1663, publíca em Lisboa a relação da viagem que fizera da India a Portugal por terra e mar, assignalando um novo e breve caminho de Angola á contra-costa.
fisboço historico ol
Ouçâmos o que em breves palavras elle diz desta questão:
«O caminho de Angola por terra à India não é am- da descoberio, mas não deixa de ser sabido, e será facil em sendo cursado; porque de Angola á lagoa Zachaf!. que fica no sertão da Ethiopia e tem de largo 15 leguas, sem até agora se lhe saber o comprimento, são menos de 250 leguas. Esta lagoa põem os cosmo- graphos em 15º.50', e segundo um mappa que eu vi feito por um portuguez, que andou muitos annos pelos remos de Monomotapa, Manica, Butua e outros Vaquella cafraria, fica esta lagoa não muito longe de Zembaué, quer dizer, côrte do Mesura ou Marabia (Maravi?).
«Sáe della o rio Aruvi, que por cima do nosso forte de Tete se mette no rio Zambeze.
«EE tambem o rio Chire, que, cortando por muitas terras, e ultimamente pelas do Rondo, se vae ajuntar com o rio de Cuama, para baixo de Sena.
«Isto supposto, digo agora: quem pretender fazer este caminho de Angola a Moçambique e d'aqui á India, atravessando o sertão da cafraria, deve deman- dar a sobredita lagoa Zachaf, e, em a achando, descer pelos rios aos nossos fortes de Tete e Sena; destes á barra de Quelimane, de Quelimane se vae por terra e mar a Moçambique, de Moçambique em um mez a
Goa.»
1 Zachaf. Aqui é de suppor haja confusão de escripta ou omissão de letra, Zachafi ou Zachavi é o que Godinho quereria dizer, se não Zachevi, que seria a lagoa dos a-chevi ou chevas, como lhe chama Gamitto, e que nos antigos mappas figura tambem com o nome de lago Maravi.
12 De Angola á contra-costa
Esta lagoa, de que falla Godimho, e de que os por- tuguezes ouviam fallar em pontos diversos, póde muito bem ser a facha lacustre que sinuosamente se estende de norte-sul, comprehendendo Chirua, Nyassa, Hicua e Tanganika, que elles por confusão reuniam n'uma só. Parece esta talvez a melhor maneira de mterpretar o texto de Manuel Godinho, e se era n'essa idéa que escrevia, este livro mostrará ao diante, que a viagem que levámos a cabo é approximadamente aquella de que fallava o nosso compatriota ha duzentos e vinte annos, e esta comcidencia nos escusará, de certo modo tambem, de havermos sobre elle sido um pouco ex- tensos,
Em 1667 Manuel Barreto diz, fallando dos remos de Manica, Maungo e Butica: «Este conquistou Sise- nando Dias Bayão (o Mossuampaca), capitão mór dos rios, o mesmo que percorreu a Botonga, Mocaranga e Butua; para por elle communicar esta conquista com a de Angola, que lhe fica nas costas, o que será grande utilidade de ambas as conquistas; mas vol- tando a Sena a descansar e conduzir soccorros, o ma- taram seus emulos com peçonha, invejosos do seu grande nome e poder, e da honra que novamente ga- nhava com esta conquista. Por sua morte se recolheu a gente que deixou nos chuambos da Butica, e ficou aquelle remo levantado; mas será facil a sua con- quista depois de conquistada Mocaranga e Manica».
Passados annos, em 1678, o governador de An- gola, Ayres de Saldanha, manda por sua vez uma expedição para tentar a travessia, saíndo de Massan- gano capitaneada por José da Rocha.
Esboço lstorico 13
No seculo passado ainda, em 1795, vae a expedi- cão commercial de Assumpção e Mello de Benguela pelo Bié ao Lovale, e no anno seguinte Manuel Cae- tano Pereira tenta passar 4 contra-costa.
Fecha o xvmnr seculo com a mallograda expedição do dr. Lacerda, homem de sciencia e valor, de que tanto havia a esperar, e que saíndo de Tete para Angola, foi mfelizmente morrer no Cazembe em 1798.
O padre João Pinto, companheiro do dr. Lacerda e que mais tarde reconduziu a expedição a Tete, fez amda altas tentativas para atravessar do Cazembe para a nossa provincia de oeste.
Eis o que a proposito diz, na sua entrevista com o monarcha da terra: «... propuz e fallei sobre a passa- gem de Angola e abertura de seu caminho. Logo acu- diu o rei com difficuldades de guerras e fomes», etc.
Frustradas as tentativas do padre João Pinto, com a decidida opposição do Cazembe e sua volta a Tete, só em 1802 temos noticia de se haverem renovado os esforços dos portuguezes durante o governo, ao que Julgâmos, de Antonio Saldanha da Gama, no imtuito de conseguir a resolução do problema ha tanto ambi- cionado.
E desta vez foram elles coroados por completo exito, se bem que os homens em similhante serviço emprega- dos, não eram de molde a poder garantir-lhe o mais smgelo valor scientifico. |
Foi de nove annos essa viagem, certamente cheia das mais notaveis peripecias, peripecias que ficaram no escuro pela falta de instrucção dos protogonistas, deixando suspeitar sofrimentos que deviam ter sido
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extraordinarios, a julgar pelo tempo empregado e dis- tancia percorrida, e em que em não menor numero deviam ser as noções de interesse, que a sciencia a final não pôde aproveitar.
Honorato, tenente coronel estabelecido em Cassan- ge, foi ao tempo o imiciador atrevido d'esta empreza sympathica.
Organisando uma expedição de tudo supprida, poz à testa d'ella dois dos seus mais habeis pombeiros, Pe- dro Baptista e Amaro José, e soltando-os da margem esquerda do Cuango, ordenou-lhes que procurassem a todo o transe chegar a Tete.
Assim o fizeram estes, e havendo abalado de Cas- sange em novembro de 1802, só chegaram áquelle ponto em 2 de fevereiro de 1811!
Pinham partido novos, chegavam ali já encanecidos.
Tres annos esteve a expedição detida nas terras de Mussico, e quatro na d'esse grande descendente dos muropues que se chama Cazembe (Muata), exhaurindo certamente todos os seus recursos, e passando, Deus sabe, quantas provações estupendas!
Por isso a posteridade, registando este facto, presta agora um preito de homenagem a esses homens, que, embora obscuros, deram as mais evidentes provas de um arrojo e pertinacia sem iguaes, pela perseverança com que levaram a cabo o trabalho que lhes havia sido commettido. i
Chega o anno de 1831, e Correia Monteiro e Anto- nio Pedroso Gamitto emprehendem e levam a cabo uma viagem do Zambeze á Lunda do Cazembe, e regressando a Tete, o ultimo publica a sua relação.
Lisboço hastorico 15
Joaquim R. Graça, de 1843 a 1847, vae de Loanda ás nascentes do Zambeze e visita o paiz da Lunda, governada por esse poderoso descendente dos muro- pues, que se denomina Muata-Tanvo.
Em 1852, cabe a Silva Porto !, negociante portu- guez estabelecido no Bié, o mesmo que encontrou
1 Acabando de nos chegar à mão um jornal quinzenal que se pu- blíca em Bruxellas, sob o titulo de Le mouvement géographique, n.º 18 de 6 de setembro de 1885, cabe-nos aqui corrigir uma apreciação menos justa, feita pelo seu redactor em chefe mr. A. J. Wauters, na segunda pagina, quando trata das «Travessias da Africa central» com relação a Silva Porto. Essa apreciação, que sem duvida s. ex.? fez, por se ter in- formado no livro Missionary Travels in South Africa, escripto por esse celebre escossez, cujo odio e má fé para com os portuguezes tanto o des- mereceu aos olhos do publico em geral, odio que mais de feição estaria n'um mercador de escravos do que em um homem revestido de tão es- pecial caracter e que tantos favores recebeu de nós, é de todo o ponto inexacta.
Silva Porto não é un métis de la tribu des mambari (Bié), embora Li- vingstone de proposito queira insinuar isso na nota do seu livro a pag. 217, quando diz: «On asking the headman of the mambari party, named Porto, whether he had ever heard...»
Silva Porto é um cidadão portuguez, nascido na cidade do Porto. Seus paes, tambem portuguezes, educaram-no de modo, que se acha ha- bilitado a redigir todos os seus diarios, com uma perfeição maior do que se imagina, e sobretudo apontaram-lhe bem qual é o caminho da honra, porque Silva Porto, com quem contrahimos relações pessoaes, é um dos homens mais probos que temos encontrado. Ignorâmos se esteve para ser- vir junto da expedição de Serpa Pinto como guia, mas sabemos não ser um traficante, e que a sua mercadoria principal nunca foi o homem!
As comitivas que envia por vezes ao sertão não lhe pertencem exclusi- vamente; vão a ella aggregados muitos secúlos biénos, que fazem nego- cios por sua conta, sendo provavel que tambem façam trocas e compras de gente, sem que Porto seja responsavel. A caravana que o illustre Cameron encontrou devia estar n'estas cireumstancias.
Velho, com a sua longa barba branca, alquebrado pelas fadigas serta- nejas, não merece este ancião, no ultimo quartel da vida, o indigno epi- theto de mulato mercador de escravos. Julgâmos assim, rendendo justiça a quem a merece, ter sido agradaveis a mr. Wauters.
16 De Angola á contra-costa
Living'stone no Zambeze em Naliele, a honra de fazer uma nova tentativa, para pôr em communicação as duas costas africanas.
Á testa de uma Importante expedição commercial, por elle mesmo organisada, e que se dirigia para o Genji, seguiu o nosso ousado compatriota, e assen- tando os seus arraiaes no alto Zambeze, destacou ahi pombeiros e gente sua, a fim de levarem a Mo- cambique dois officios do governo geral de Angola, pessoal que attingiu o Ibo.
Longa foi tambem essa jornada, onde sem duvida não faltaram peripecias e contrariedades, a julgar pelo que mais de uma vez temos ouvido sobre ella, e que Silva Porto conta em seu roteiro, denominado Uma viagem à contra-costa.
Os enviados, ao volver, haviam feito tão exagerada noticia da extensão percorrida, que carteada ella por rumos e marchas, atirava a distancia tal, que punha Moçambique a meio do Indico!
Mas, apesar disso, não parece que se houvessem elles afastado muito da verdade, sendo que tal distan- cia, por ser tomada approximadamente em linha se- guilda, não levava em conta as numerosissimas voltas por elles operadas.
De então para cá o sertão é diariamente trilhado pelos portuguezes mercadores, em todos os sentidos, e Gonçalves, João Baptista”, etc., são outros tantos que por ali divagam como senhores.
1 Os individuos a que nos referimos são portuguezes e europeus; não fallâmos dos africanos, como Alves, que Cameron encontrou,
Jisboço hústorico 1%
Gonçalves explora por vezes o Mucusso; Baptista leva as suas explorações commerciaes sem igualavel arrojo até ao Cassongo Calombo, para as bandas de Nyangue, atravessando o Lobale, o Moio e Urua pela primeira vez em 1872; Silva Porto continua em suas viagens para o Genji e outros pontos.
Pelo oriente Montanha e Teixeira vão em 1855- 1856 a Zoutpansberg, atravessando os sertões a leste do Limpopo; os negociantes do Zumbo percorrem as terras ao oriente do rio Aroangoa, aquellas da Manica (norte), Chuculumbes, etc., levando as suas excursões até ao já citado Gengji.
Em 1877 é organisada uma nova expedição, que abalando de Benguella se subdivide no Bié; uma parte, sob o commando do major Serpa Pinto, dirige-se para o oriente e após attingir o curso do Zambeze, corta para a costa oriental, ao passo que a outra, sob a direc- ção dos auctores do presente livro, se dirige para o Quióco em busca das cabeceiras do Cuango, e, prolon- gando o curso d'este rio, vae até Jacca, d'onde volve a Loanda.
Emtfim, em 1884, frequentemente incitado pela So- ciedade de Geographia de Lisboa, ordena o governo de Sua Magestade uma outra expedição, de que o pre- sente livro vos dará conta.
“Eis resumidamente o que durante quatrocentos e quarenta annos fizeram os portuguezes, esse povo por vezes tão indelicadamente tratado por estranhos, para explorar e conseguir a ligação das duas costas occl- dental e oriental da Africa, o que sempre se lhes afi- gurou do maior interesse, a julgar pelos premios que
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18 De Angola á contra-costa .
o governo offerecia áquelle que levasse a cabo tal commettimento, e assim devia ser.
Se considerarmos que ao tempo, ou melhor aimda até ha poucos annos, eram os portuguezes os que ex- clusivamente percorriam os sertões entre Angola e Mo- cambique, traficando e influindo de um modo serio na vida dos povos centraes do grande contimente; se attentarmos que de tal circumstancia resultava a im- fallivel obrigação de ahi contrahir amisade, creando por esse facto pontos de apoio e segurança para as suas pacificas transacções; se notarmos anda que par- tir ao meio a contenda (seja-nos lieito dizer) entre as duas provincias, no interesse de tal fim, seria a idéa dominante, o pensamento fixo d'aquelles no problema empenhados; se observarmos, emfim, que a lembran- ca de uma eficaz protecção politica ía assim repartir pelas duas colonias, como immediata consequencia, uma preciosa qualidade, qual a da relativa rapidez; veremos logo que com a mais sã e boa rasão, governo e homens atrevidos se empenhavam em fazer vmgar essa empreza, que, se já não é hoje um problema, se deve muito principalmente aos esforços que o nosso paiz empregou sempre pela sua resolução. E termina- remos com a segumte observação justissima que sal- ta dos factos que temos narrado:
«Aimsi, aprês avoir ouvert à la science et à la civi- lisation chrétienne tout le vaste httoral africaim, jus-
qu'au Zaire et au sud de celui-ci, —aprês leur avoir révélé Vexistence et la navigabilté du cours mférieur du grand fleuve, nous nous empressions dmitier de
ce côté, comme nous le faisions pour Vautre, la rude
Jusboço hastorico 19
et glorieuse campagne de [Vexploration intérieure de PAfrique équatoriale, ou seulement plusieurs sitcles plus tard, les autres nations civilisées devaient venir nous faire concurrence...
«Il convient de bien nous fixer sur ce point. La dé- couverte des régions intéricures ctait conduite et opé- rée en même temps que celle du littoral, non pomt par une simple correlation éventuelle du trafic, ni par des circonstances dues au hasard de Pexploration maritime, mais bien par le désir persistant, manifeste et onéreux qui animait le gouvernement portugais, de connaitre le pays, de pénétrer dans ces régions et de les assujettir au commerce, à VEvangile, et à la domination nationale.» (La question du Zaire, Droits
du Portugal.)
O CONGO
Le roi Jean TI de Portugal, peu de temps apreês, ajoute à ses titres officiels celui de seigneur de Gui- né: toutes les côtes jusqu'alors reconnues par ses su- jets, ainsi que la mer sillonnée par leurs caravelles, semblérent désormais former un seul domaine dont une prise de possession solennelle était constatée.
AvEZAC, Ency. des gens du monde.
Por seu reino vão os portuguezes ao reino do Ma- coco a negociar, e assim ao reino de Ybare e ao de Bozanga, que é um rei poderoso e se não pódeir por outra parte...
Garcia MENDES CAaSTELLO BRANCO, Relação sobre o reino do Congo, 1603, publicada por Luciano Cordeiro. ;
“Quatro annos haviam decorrido desde que nós, vol- vendo da viagem a lacca, tinhamos deixado as afri- canas costas.
Tranquillos, despendiamos na Europa o nosso tem- po, nos ocios e distraceções que a civilisação por toda a parte offerece ao homem que, arredado por annos, dá m'ella de subito ingresso, esquecidos e alheios um pouco ao movimento africanista, quando um imespe- rado facto nos colheu de surpreza.
Manuel Pinheiro Chagas, o ilustre ministro da ma- rmha e ultramar, que havia apenas dias assumíra taes funcções, resolvêra enviar uma expedição 4 Africa, e
22 De Angola à contra-costa
collocando à sua frente os auctores d'este livro, orde- nára-lhes que partissem sem perda de tempo, conce- dendo só o necessario para a organisação do material.
Assim, a 6 de janeiro do anno do Senhor de 1884, pelas nove horas da manhã, achavamo-nos a bordo do vapor S. Thomé, da empreza nacional de navegação, promptos a abalar. |
Tangêra a smeta pela segunda vez o signal de reti- rar, convidando a saír essa multidão, que se agita sempre confusa no convez do barco que se apresta a partir, que gesticula, commenta e fica, uns porque os distrahe o que para elles é novidade, outros porque lhes custa o separar-se dos entes queridos, e muitos porque não sabem mesmo o que o signal significa, até que ao terceiro toque de todo se varreu a tolda.
Estremecêra o casco sob nossos pés, cessára a vI- bração mecommoda que o vapor produz ao despedir- se pelo tubo da descarga, como allívio desses pulmões monstruosos que respiram atmospheras a setenta e cmeo hbras; redemombára a agua na popa, partimos.
Adeus paixões, e ficando-se de pé com a saudade, essa inseparavel companheira das recordações affe- ctuosas, cada qual se accommodou como pôde, em- quanto o navio, approximando-se da barra, arfava magestoso, encetando os primeiros galões.
Era o aviso terrivel, para os que enjoam, do soffri- mento que os esperava.
Começam de empallidecer os rostos, aggravou-se a tristeza com um ar de vaga apprehensão, um aeres- cimo de secreção salivar se adianta, para ceder logo o passo a torturas angustiosas e às primeiras contrae-
O Congo 28
ções estomacaes, que um sabor metallico e o cheiro dos oleados compromette fortemente, até alfim romper a formidavel symphonia em urro maior.
Quão invejavel não será n'esses momentos, para taes infelizes, a immunidade dos homens do mar? En- fada-os a nossa presença, porque nos observam des- peitados; no seu vago olhar, quando em nós se fita, transparecem por vezes lampejos á guisa de odio, ena contracção dos labios transluz uma como que paga em desprezo, ao nosso ar correntemente zombeteiro.
Sulcando donairoso pelo oeste dentro, avança o na- vio emquanto o sol se occulta, e o cordão da terra pela popa começa a esbater-se no azul dos céus.
Os ultimos clarões desappareceram, amortalhou-se a abobada no funereo manto da noite, entrou a hora das cogitações.
Junto á amurada, abysmado para o estendal dos céus, eil-o, o passageiro que não enjôa, abraçado á saudade em pleno cortejo de gratas e pungentes re- cordações, perpassando-lhe pela mente, em kaleidos- copico movimento, quantas idéas estremecidas.
À esposa e os filhinhos, tudo que na terra tem de caro, o lar domestico, esse ninho onde ainda na vespe- ra entrára distrahido, sem bem precisar quanto é duro o afastar-se delle, rodam constantes, apertando-o em angustioso scismar.
E não lhe póde fugir, não póde desviar-se, agonia- se e a final apraz-lhe o sacrificio doloroso; ainda que o não queira ha de pensar n'elle, percorrer-lhe todos os recantos, povoal-o dos seus habitadores estremecidos, ouvir-lhe as derradeiras palavras, receber-lhe as ulti-
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mas carícias, até que o somno, amerciando-se delle, o prostre no acanhado esquife do camarote.
Então socega.
Não tencionâmos, leitor, proseguir, porque não é nosso fim o fazer-vos a monotona deseripção de uma viagem a Angola, d'esses vinte e cinco dias aborreci- veis e mvariaveis, de somnos alternados com refeições, estas baralhadas com palestras banaes e consumindo charutos, vmdo sempre a achar o remate n'essa pseu- do-cogitação, que abysma sem pensar quem, recos- tado, contempla as vagas que se succedem, e procura aborrecido cerrar os ouvidos ao que lhe não interessa.
E depois uma viagem por mar e em paquete é de to- dos conhecida, igual pelas scenas, caracteristica pelo enfado, desde o momento de abalar, symbolisada n'esse brouhaha de que ha pouco vos fallámos, até ao avistar pela prôa o cordão azulado da terra, que nos annuncia o terminus do nosso percurso.
Tudo se passa da mesma fórma n'esse acanhado re- cinto que se chama um navio e se repete diariamente, desde a baldeação, até às confidencias da noite, que um jantar, convenientemente regado, sempre provoca.
Passando pois pelos primeiros dias sem menção es- pecial, deixemos os pontos de escala como a Madeira, essa graciosa ilha tantas vezes descripta, o archipe- lago de Cabo Verde, a Gumé e S. Thomé em silencio, para nos approximarmos em linha directa do conti- nente.
A 30 de janeiro de 1884, diz o nosso diario, come- cámos a navegar desde o alvorecer nas aguas verde- barrentas que, espalhando-se em enorme sector para
O Congo 25
o noroeste, se escapam pela embocadura do Zaire; manchando na distancia de 3º a azulada superficie do oceano.
Aqui e alem, vêem-se feixes de hervas a que amda adhere o torrão, e por vezes, emergindo do meio com- pletas arvores, evidenceiam os esforços do colosso na lucta em abrir o seu caminho para o mar; esforços que se vão traduzindo no alargamento do leito na parte do curso junto ás costas, e na formação de um colossal delta a 15 milhas da embocadura.
Pouco a pouco approximámo-nos; uma larga ondu- lação que o desnivelamento produz, impelle suave- mente o navio. Já ao longe se distinguem no norte e no sul as barreiras avermelhadas caracteristicas da costa, que, baixando gradualmente, vem morrer em duas orlas verde-escuras de mangue que margina o rio, até que ás onze horas se vê distinctamente a en- trada, á qual servem de marca pelo sul arvores da Mouta Secca, e pelo norte os tectos brancos das fei- torias do Banana.
Rasgando a todo o vapor um sulco lamacento por meio dessa corrente de 6 milhas, fundeámos no porto mmterior, de 2 milhas de comprido a 0,5 de largo, a 50 metros de terra.
Confessâmos que, apenas chegados, nos Impressio- nou o socego que ali reinava, e esperando vel-o alvo- rotado em virtude do recente apparecimento da ex- pedição belga, Associação Internacional (chamada) ou ainda Comité Vétudes du haut Congo, que tudo julgâmos quer dizer a mesma cousa, não volvemos da nossa surpreza em meio d'aquelle silencio.
2.6 De Angola á contra-costa
Era o mesmo Banana que conhecemos em 1872, quando faziamos parte da estação naval de Angola, o que mostra ter o Zaire amda muito maior importancia
do que o barulho feito em redor dos trabalhos da asso- “ciação.
Ao sulcar as aguas do formidavel rio, aqui apenas separadas do oceano por delgada linha de areia de 2,5 milhas de comprido, onde se acham edificadas as feitorias de quasi todas as casas commerciaes da costa, e ao mirar suas margens de um lado e outro, per- correu-nos o corpo um estremeção, por lembrar as luctas e dificuldades que deviam ter passado os nossos antecessores que se extenuaram no trabalho de sua exploração; por lembrar os nomes de Ruy de Sousa, de Gregorio de Quadra, de Francisco de Gouveia, o vencedor dos jaggas, de Duarte Lopes e outros!
Quantas decepções e quantos soffrimentos não de- vem ter marcado ahi os passos d'esses homens, que, impellidos pelo dever, no meio das contingencias de uma vida cheia de durezas, vida que ainda hoje, com todos os recursos da moderna sciencia, é um valle de miseria! Basta relembrar os sympathicos vultos que derradeiramente ali encontraram um termo ás suas aspirações; tentaram levar a civilisação ao amago do continente, e a final de tamanho afan, apenas haviam ficado os traços n'essa ingrata terra, verdadeira ma- drasta do branco, porque então, como hoje tambem está succedendo, se persuadiu o europeu que com a sua energica força podia desbravar e exercer dommio sobre selvas e negraria, sem reflectir que acima de tudo dictava a lei o clima, ao qual a constituição phy-
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sica era difhcil que resistisse. — Hoje como então, esta é a verdade.
Com o vapor e o telegrapho, essas duas poderosas alavancas de progresso, opéra actualmente o europeu . maravilhas, onde, encontrando ponto de apoio, possa o seu braço manejal-as livremente; mas na África, onde a natureza lhe poz o clima como barreira aos esforços, e cirecumstancias de caracter meteorologico e tellurico, primeiro que cousa alguma lhe quebram as forças e minam a existencia; mal poderão aquelles dois elementos produzir aproveitamento, quando ma- nejados por sua mão. Na pretensão de se substituir ao mdigena, enceta uma lucta em que o partido favora- vel é o da morte!
Mas apesar de tudo, embora assim considerasse- mos, assomava-nos ainda um lampejo de sympathia por esse curso de agua, por essas terras de monotono aspecto, porque constituam um dos titulos da nossa gloria, cuja propriedade muito apreciavamos, e no seu progredir tinhamos o maior empenho; era o rio a que pozeram o nome de Diogo Cam, como homenagem áquelle que conseguiu levar as explorações até Cabo Frio, e na volta, narrando taes descobertas, fez com que o monarcha juntasse aos seus titulos o de senhor da Guiné, facto este, acrescenta o nosso estimavel amigo e distmeto africanista Luciano Cordeiro, no seu trabalho intitulado A questão do Zaire, que posi- tivamente correspondia n'aquella epocha á affirmação mternacional de um direito de soberania e dominio, e, acrescentaremos nós, que nunca foi nos remados sub- sequentes desmentido nem olvidado.
28 De Angola á contra-costa
Tudo mudára em nossos dias. À fingida abertura ao commercio da embocadura deste rio poderoso, como lhe chamára Martim de Behaim!, ía breve ser causa ou pretexto para que se espoliasse Portugal de sua posse, e se attribuisse a um monarcha europeu o estranho titulo de soberano de um estado livre, que só existe no papel, fazendo-se de necessidade o arrancal-o a este paiz, para ornar o nome do chefe de uma pe- quena nação, a fim de que os pavilhões de todas as marinhas do globo podessem livremente tremular ah! E fingida, dizemol-o muito de proposito, porque de ha muito o mundo o sabe, ou para melhor dizer, o Zaire esteve sempre franco ao commercio de todos os pai- zes, não podendo ser pois o facto da sua abertura ra- são para que se espoliasse Portugal d'aquillo que em bom direito e rasão lhe pertencia.
À tentativa da pesquiza e dependencia do seu curso superior tambem não é argumento que se adduza' a favor da citada espoliação, podendo accommodar-se as cousas satisfactoriamente para a Belgica, e no im- teresse de Portugal, tudo em fórma de justiça, como adiante lembraremos. E não venham com o argumento estranho, já empregado, de que, se é msalubre, pesti- lencial, mutil emfim, para que o queremos nós; ou anda, se tanto affimco mostrâmos na posse de um ter- ritorio sem provada vantagem, demonstra empenho de encobrir um interesse que nos não convem eviden-
1 Martim de Behaim era cosmographo, dando-se como certo que acom- panhou Diogo Cam em sua expedição, sendo elle que fez a celebre es- phera de Nuremberg, onde se achavam marcados os descobrimentos dos portuguezes durante o seculo xv.
O Congo 29
clar; porque não só concebemos o possivel aproveita- mento do Zaire (aliás seriamos cegos) pelo emprego systematico do indigena, mas comprehendemos igual- mente que a nnguem apraz ser espoliado, sirva ou não preste para alguma cousa. |
Não se julgará de certo que aquelles que tanto se téem esforçado em desvendar o desconhecido cora- ção do Negro Continente possam achar-se movidos de sentimentos, que por serem em favor do seu paiz, po- deriam ser contrarios ao interesse da abertura dos sertões centraes ao commercio europeu; um facto, pa- rece-nos, destroe o outro; e é simplesmente a causa da justiça aquella que por isso nos leva a cortar esta questão.
Nem se deverá pensar mesmo, como de resto nos parece já se fez, que quanto dissemos em nossas con- ferencias sobre a bacia do Congo, ao aprecial-a de- baixo do ponto de vista da salubridade, podia ter o menor viso a uma propaganda contra os trabalhos da Internacional ali. Muito ao contrario, as palavras que de novo vamos aqui transcrever foram traçadas sob o sentimento da obrigação que nos assiste de dizer a verdade, e no interesse do mesmo trabalho da Inter- nacional, pois que, levando pelo seu caracter especial à ponderação, poderiam por vêzes servir de freio a quaesquer impulsos menos meditados.
E não somos só nós que sobre o clima do Congo te- mos fallado. O consul americano W. P. 'Tisdel, no seu relatorio de julho de 1885, diz:
«A questão do clima é extremamente seria. Humido e enervante para brancos da Europa e America, resul-
50 De Angola á contra-costa
ta que são innumeras as doenças. No primeiro anno de residencia torna-se aos incautos necessaria grande precaução, para não serem logo victimas da perniciosa influencia da malaria espalhada por todo o paiz.»
Eis o que nos acudiu dizer sobre o viver europeu no Congo:
«Em Africa deve o europeu residir em ponto alto... Viver no cordão litoral, na zona perto do mar, estabe- lecer-se no Comptoir em meio dessas planuras onde o bao-bab e o espinheiro vegetam e as aguas dos planal- tos se espraiam, formando por toda a parte pantanos; procurar depressões gigantescas como a do Congo, para ahi ageremiar europeus, suppondo que basta fun- dar-lhes estabelecimentos nas eminencias marginaes para os salvar da nefasta mfluencia climaterica, emi- nencias que, quando escalvadas e nuas, batidas pelos ventos, são anda as mais perigosas, como póde servir de exemplo Vivi, e outras estações do Congo inferior, é um ludibrio, de que só será victima a inexperiencia ou a pertinacia em não querer ver e acceitar.
« Como quereis, senhores, phantasiar um futuro de prosperidades para o Congo, sonhar para as margens d'esse rio Nimives e Babylonias, crear ahi centros de vida e movimento á europêa, se só a simples mspecção da carta vos mostra que a 1:500 milhas da embocadu- ra, approximadamente, tem esse curso de agua 600 metros de cota?
«Ao fundo d'essa gigante depressão onde se aceu- mulam todas as aguas que derivam do sul, desde o Quioco até Babisa, e pelo norte, desde o Tanganika até aos affluentes que entestam com o Ogowai, que
O Congo au
collocada mesmo sob o equador está em permanente crue pelo movimento alternado das chuvas no norte e no sul, despejando para as zonas lateraes as aguas su- perabundantes, onde as calmas e um sol de fogo lu- ctam de esforço para aniquilar as organisações, e tri- bus selvagens pullulam por toda a parte, não espereis ver estabelecer-se com facilidade o europeu, nem tirar outros resultados senão a morte e o desolamento.
«De sobejo conheceis factos comprovativos, assás é notorio que muitos jovens cheios de vida acabam nos ultimos tempos de dar com sua morte remate a esperançosos futuros, para que adduzamos mais pro- vas sobre similhante assumpto.» Sem embargo mais duas palavras. «Não julgâmos ter-nos, em todas estas considerações, afastado muito d'aquelles que desinte- ressadamente tratam da questão, ao dizer que não só o clima, como a selvageria dos naturaes, seria obsta- culo ao estabelecimento do europeu».
É ainda Tisdel que nol-o diz, ao fallar dos traços caracteristicos dos negros:
«Com excepção das tribus de Loungo e Cabin- da, as gentes do Congo, são ferozes, selvagens e crueis.» |
Asserto este, que bem evidencia a causa do retar- damento na assimilação d'aquellas tribus pelo esforço civilisador portuguez.
E proseguindo, ao fallar da facilidade com que um preto, mediocremente conhecedor de linguas, por ali transita, acrescenta:
«Este facto prova-me claramente, que um preto mdustrioso, com um mediocre conhecimento da lin-
32 “De Angola á contra-costa
gua fiote, será mais capaz de exercer uma maior e melhor influencia sobre estes povos, do que nunca será capaz homem branco. »
Estamos d'aqui mesmo a ouvir a exclamação im- mediata de muitos dos cavalheiros na questão imte- ressados: ;
— E precisamente pela rasão de serem selvagens e bravos que urge primeiro que tudo pensar em sub- mettel-os.
Muito verdade, sem duvida; nós porém, que escre- vemos n'este momento, não só no imteresse do imdi-
gena, mas muito particularmente no interesse dos “capitaes europeus, perguntaremos áquelles que o des- embolsam:
—Tendo forçosamente de ver-se na obra da Inter- nacional duas phases differentes de trabalho, e que devem fatalmente preceder-se uma á outra: o de submetter os habitadores do Congo e civilisal-os —a que andam ligados vastos problemas sobre a viação — e o de explorar depois o commercio; estaes dispos- tos a arriscar Os vossos capitaes na primeira para, depois de exhaustos, procederdes pacificamente à se- gunda ?
Volvâmos á nossa questão, aquella de se haver na conferencia de Bruxellas preparado a perda do Congo para Portugal.
Sendo o direito a arma dos fracos, não foi, nos pa- rece, de boa politica o afastar-se d'este axioma; e não
1 Referimo-nos sempre ao Congo inferior, é claro, aquelle que daria accesso por Noqui e S. Salvador para a bacia do Cuango.
O Congo Sa
é para admirar que estranhemos ser aquelles que se acham em taes crrcumstancias justamente os primeiros a fornecer armas, que mais tarde se podem voltar contra elles.
O desejo de plantar defimtivamente o estandarte da civilisação no solo da Africa central, palavras da aren- ga real na conferencia de Bruxellas, se era o pensa- mento da Belgica, era tambem o anceio de ha muito em Portugal; que melhor exemplo, pois, podiamos dar ao mundo, que concertar-nos, e, fortes pela união, pro- ceder á grande obra? |
Não urgia seguramente para isso isolar-se a Bel- gica primeiro, e procurando depois alheia protecção, ferir os interesses dos portuguezes que tão boa von- tade têem mostrado no empenho de que tratâmos, e tão dispostos se achavam a fazer quantas concessões se lhes pedissem.
É triste, e sentimos bem, que o subsequente pro- cedimento nos confunda por modo a tornal-o dificil de coadunar com as palavras que o illustre principe proferiu por occasião da conferencia de Bruxellas em “187,6, relativamente á obra que se dispunha a patro- cmar:
«Il m'a paru que la Belgique, état central et neu- tre, serait un terram bien choisi pour une semblable réunion, et c'est ce qui m'a enhardi à vous appeler tous, 1ci, chez moi, dans la petite conférence que j'ai la grande satisfaction d'ouvrir amjourd'hui: Ai-je be- som de dire qu'en vous conviant à Bruxelles, je n'ai pas été guidé par des vues égoistes? Non, messieurs, si la Belgique est petite elle», etc.
co
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Converteram-se em realidade, ha pouco consum- mada n'um congresso, onde se faziam representar aleumas nações completamente estranhas á questão africana, as nossas suspeitas em 1884, quando escre- viamos o que se segue em nosso diario:
«E já bastante fallâmos da questão do Congo; deixemos aqui agora registado e em remate o que pensâmos d'aquella que confiou aos delegados da com- missão reunida em Bruxellas, em junho de 1877, a missão de fundar na sua bacia estações scientificas e hospitaleiras.
cCivilisar a Africa central, sómente impulsado por um pouco vulgar affecto humanitario, sómente mo- vido pelo origmal desejo de fazer a felicidade do ne- ero, como se deprehende das palavras de Stanley perante o club do seu nome, em París, que excla- mou: ...o capital entregue à communidade dos bran- cos era para se applicar do modo mais conveniente ao bem estar dos naturaes da sua area; era para se repartir como beneficio. .. ete.; e logo mais adiante acrescen- tou: O nosso intuito... é plantar e semear para o negro colher. . . etc.; enviar, como diziamos, para aqui ho- mens e milhões, no elevado e santo mtuito de lhe preparar o futuro, ou melhor, dotal-os com um bem estar assás problematico; sacrificando vidas e traba- lho a uma tão arrojada quanto imprudente empreza, que. muitos entendidos consideram como mexequivel, cuiando-se só pelas vagas informações existentes; pôr em pratica um problema, por assim dizer, não estu- dado e superior sem duvida á força e intelligencia de um só homem, só porque esse homem afiançava que
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com duas duzias de imfelizes mancebos imexperientes o podia resolver; emfim disfarçar perante a Europa todo este proceder, com um facies de decidida vontade e evangelica resignação, mais propria de missionarios do que de homens afeitos ao manejo da espada; e pôr como cupula d'este estranho edificio um homem, cuja bravura e temeridade não podem contestar-se, mas a quem os conselhos da prudencia devem por vezes quadrar de geito para soffrear as suas Impetuosas paixões, os seus estranhos impulsos, para nos servir- mos de um termo por elle empregado, ao referir-se á sua propria pessoa e ao descrever de certa maneira o seu modo de ser e de obrar; em que debutou assim: Well you know! Tam a very mpulsive man; parece-nos, acima de tudo, uma suspeitosa mystificação, encobrm- do pretensão ambiciosa!»
Isto escreviamos nós quando ainda se não fallava na conferencia de Berlim, mas quando já muito cer- tamente se machinava contra a mtegridade do nosso territorio.
Se a abertura dos sertões centraes á civilisação e ao commercio era uma necessidade, repetimos, porque não se tratou com aquelles que melhor podiam auxiliar tal empreza, e se preferiu deslealmente a intriga?
Porque, se não fossem estranhas machinações, ter- sela a Belgica entendido muito bem comnosco, na tão meritoria obra de nos coadjuvar no mteresse es- pecial da abertura d'aquelle sertão, e no geral de be- neficiar o negro. Mas então, imfelizmente, faltaria o titulo em tal caso! — verdadeira nota grave n'esta grande questão!
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Aqui pomos a corda ao pescoço pelo nosso governo (e disto está a Belgica bem convencida), de que se empenharia elle com todas as suas forças para auxi- liar tal empreza, não como está sendo posta em pra- tica, á louca, na bacia pestilencial do Congo, com centos de europeus mexperientes que com a vida dia- riamente pagam a sua audacia; mas na justa medida do bom senso e do menor risco, pelo emprego racio- nal do indigena, de cuja coadjuvação e trabalho, unica e exclusivamente, se póde conseguir aproveitamento.
E ainda lhe afiançâmos, que ao lado dos illustres officiaes belgas que ali em tão grande numero têem encontrado a morte, havia cá muitos homens capazes de encontrar no sacrificio do dever o mesmo fim, e que aquelles que amda ha pouco penetravam na Quimpata de Bunqueia com quatorze homens, e ahi encontrando Musiri, que dias antes fôra visitado por um explorador europeu, lhe passavam um documen- to para sua salvaguarda, no caso da Europa o ac- cusar da morte forçada de um companheiro do ci- tado europeu, e isto porque o sobredito Musiri assim o rogára, seriam os primeiros a apoiar dentro do seu paiz o movimento em questão, pela mais energica das propagandas.
Infelizmente resta-lhes só o lamentar o rumo que as cousas tomaram, e fazer um smcero voto para que, com o aniquilamento do vigesimo milhão, não vacille a coragem d'aquelles ainda em desembolso; e este voto, que de certo não quadrará de geito aos olhos de mui- tos, pelo espirito que anima as vistas desta nação de esclavagistas, a primeira a iniciar o nefando trafico, e a
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ultima a acabal-o, na phrase, meptamente calumniosa, de um dos agentes da Internacional, potencia cujos subditos em Africa ligados por laços de sangue á afri- cana gente, se não pejam de sentar pretos e pardos à sua mesa logo que d'isso sejam dignos; este voto, re- petimos, fica aqui registado com a mais mteira sin- ceridade.
Antes de partir para o sul, porém, permitti ainda
duas palavras, leitor, no mteresse da vulgarisação so- “bre o vasto paiz que este rio banha, palavras que vos farão comprehender quão justo é o resentimento dos portuguezes em face do proceder ultimamente havido com elles, e quão numerosos foram os trabalhos e as convulsões por que passou o nosso dominio e politica ali.
HISTORIA POLITICA DO CONGO
Deux choses sont à remarquer: la premitre c'est que depuis 1512 le roi du Congo est le vassal du Por- tugal; la seconde, qu'au temps de Pétablissement des portugais au Congo et à Angola le premier royaume s'étandait beaucoup plus au S. e à VE.
Lucraxo CorDEIRO, L'hydrographie africaine.
A importancia e extensão do estado do Congo era tal, ao tempo da chegada dos portuguezes ali, as lu- ctas com os povos circumvizinhos, a suecessão repe- tida dos seus monarchas e as estreitas relações com Portugal tão frisantes ao depois, que entendemos não deixar fugm este ensejo, sem com dois traços darmos uma idéa da sua historia politica.
Sabido é que Diogo Cam, encarregado por carta regia de 14 de abril de 1484 de descobrir novos terri- torios na costa, entrou no Zaire e ahi estabeleceu um padrão na ponta sul da foz do rio, que denominou de S. Jorge, como marca ou signal de haver tomado posse d'aquellas terras em nome do seu rei.
O navegador portuguez estabeleceu logo relações com o rei do Sonho (tio do Muene), as quaes com o decorrer do tempo se estenderam ao Muene Congo,
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senhor do estado, conhecido tambem pelo nome de Manicongo:; poderoso potentado que dominava dire- ctamente ou por suzerania sobre um vastissimo impe- rio, que constava ir desde o Loango até ao Cabo Ne- gro pelo litoral, e, comprehendendo ao nordeste o Macoco ou ÂAnzicana, se estendia até ao Muene Muezi, no Uniamezi!
Diz-nos Duarte Lopes, que esse importante monar- cha reunia ao titulo de rei do Congo o de senhor dos ambundos, da Matamba, da Quissama, de Angola e do Cacongo, sem contar os sete remos de Congere-Amu- lalla, o dos ban-guelungos, o senhorio do rio Zaire, dos anzicos e o do Loango!
Dapper, geographo hollandez, e o seu traductor Ogilby, tambem de seus titulos nos fallam, e se em verdade omittem alguns, trazem a lume outros novos. “Assim dizem que ao de senhor do Congo, juntava o de Angola, Macomba, Ocanga, Cumba, Lula, Zenza, bem como o senhorio dos ducados de Batta, Sunda, Bamba, Ambuilla e territorios dependentes, e ainda aquelle dos condados do Songo, Angoy, Cacongo, da, monarchia dos ambundos e do grande e maravilhoso rio Zaire *. |
Em todos os casos, bastam as singelas enumerações precedentes para darem uma idéa do poderio dos mo- narchas do Congo ao tempo; esses descendentes de
1 E de todo o ponto acceitavel, que aos historiadores portuguezes seja devida a designação ducado e condado, applicada à zona territorial que tinha sem duvida nome especial, como tambem é para notar que, esten-. dendo-se os estados do Congo até ao Uniamezi, não figure entre os titulos a zona ou terra do interior encravada no curso do rio.
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Luquem, ou Nimia-Luqueni, que, tendo vindo, con- forme parece, do oriente, mvestiram com as terras de que tratâmos, e desbaratando os tchenus ou ba-tchenu, seus habitadores, avassallaram os grupos dispersos, fundando o estado do Congo.
Mas volvâmos ao assumpto que nos interessa. À primeira expedição portugueza dirigida ao Zaire saíu do porto de Lisboa a 19 de dezembro de 1490. Ex- pressamente enviada pelo governo da metropole para explorar aquellas regiões, partiu, commandada por Gonçalo de Sousa, que, morrendo em viagem, legou a sua direcção a Ruy de Sousa, seu irmão, e era com- posta de missionarios, operarios e colonos, que espe- ravam levar a luz e a arte áquellas terras.
Um mez depois de ali chegar, a expedição entrava na Banza Real (hoje S. Salvador), cedendo ás instan- cias do mesmo Muene Congo, que dizia querer imi- ciar-se na religião dos brancos, estreitar assim a sua amisade e estabelecer relações commerciaes com elles.
Reimava então Nguiga-o-cúum, a quem Ruy de Sousa auxiliou n'uma expedição contra os povos que se ti- nham revoltado no Alto Zaire, conhecidos por munda- quetes ou anzicos, no mtuito de os submetter á vassal- lagem. É desta epocha que data o descobrimento dos povos do Macoco, descriptos em 1505 por Duarte Pacheco, e mais largamente depois por Duarte Lopes (BRelatione del reame di Congo, Roma; 1591).
Estabelecida a amisade com os portuguezes, foi Jovi, em 1493, o primeiro dos monarchas do Congo que ao rei de Portugal prestou vassallagem, enviando para esse im a D. João IL o seu embaixador Pero Mani-
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congo, que tempos depois volveu ao imperio acompa- nhado do residente portuguez João Soares.
— “Fomou então o monareha africano o nome de João, e sua mulher Mani Mombada o de Leonor, em honra dos lusitanos reis.
Vacillou mais tarde a fé religiosa deste principe, e, esquecendo os sabios principios da doutrima christã, entregou-se de novo ao grosseiro fetichismo, commet- tendo barbaridades só proprias de selvagem.
Affonso T (Mani Sundi), ou melhor N'pamba-cá- N'Ginga, que lhe succedeu em 1509, foi um dos pri- meiros principes firmes na fé, e desviando-se do trilho do seu antecessor, manifestou em carta que escreveu a el-rei de Portugal em 1512, por via de seu embaixador Rodrigo Zacuteu, o desejo de conti- nuar sendo seu fiel vassallo.
N'ella accentuava o reconhecimento pelo auxiho que lhe fôra prestado na guerra que teve com seu mrmão Mani Pango ou Pansa Aquitimo, que indo sub- metter os muzumbis!, com elles se alliára por occasião de o elegerem, vindo atacar S. Salvador com cem mil pretos. io
Era tal a amisade e consideração que pelos por- tuguezes tinha este principe, que, partindo para fazer a guerra aos ambundos sublevados no sul, deixou por capitiio no Congo, com todo o seu poder, Alvaro Lopes, feitor do rei de Portugal, como elle mesmo D. Affonso communicou em carta datada de 4 de março de 1516.
1 Muzumbo significa homem branco na lingua bunda, não sendo por isso facil comprehender tal indicação.
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Foi um verdadeiro apostolo da fé n'aquellas terras este principe, cujo zélo o levou a dirigir-se ao papa Paulo III, rogando-lhe enviasse para o seu estado missionarios, de que lá muito carecia. No reinado delle edificaram-se as igrejas de S. Salvador, Nossa Senhora, do Soccorro e de S. Thiago, termmando por enviar seu filho primogenito para Lisboa, a quem desejava proporcionar uma educação christã, e á altura da po- sição que lhe estava destmada no paiz natal.
Este, que em 1521 o substituu no throno, tomando o nome de D. Pedro I, imitou o zêlo e piedade do pae.
Seu irmão, D. Francisco, succedeu-lhe em 1530, não esquecendo o justo proceder do predecessor. In- felizmente só cingiu a corôa por dois annos, legando-a por sua morte a um primo D. Diogo.
O fervor religioso não abrandava então, e indo Mérolla nos conta, foram tres dominicanos os primei- ros missionarios que Portugal enviou áquellas terras; tres martyres que breve succumbiram, dois sob a acção do clima, e o terceiro assassinado pelos jaggas, capitaneados por Zimbo. Logo depois conduziu Diogo Cam, em sua terceira viagem, doze franciscanos para aquellas desconhecidas paragens, sendo por esta epo- cha, a 3 de outubro de 1534, creado o bispado de S. Thomé e Congo.
D. Diogo tornou-se notavel por grande coragem, prudencia, espirito liberal e fervoroso zêlo pelo chris- tianismo. Em poucos annos o genio militar levou-o á conquista de paizes vizinhos, e, alargando os seus es- tados, distinguiu-se sempre por sua affeição aos por-
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tuguezes, de quem adoptára os costumes, abandonan- do os habitos indigenas.
À sua magnificencia excedia tudo quanto até ali se tinha visto, manifestando-se, quer na ornamentação do seu palacio, quer no modo de trajar. Uma fazenda boa nunca lhe parecia cara, pois as cousas raras, di- z1a elle, devem encontrar-se nas mãos dos reis.
Levára o requinte do luxo a usar apenas uma ou duas vezes o mesmo traje, offerecendo-o depois à gente do seu sequito. Às tapeçarias, os brocados de oiro, de seda e as fazendas mais ricas do reino começaram no seu tempo a ter voga na terra do Congo.
Ensanguentou-se então n'esta epocha o solio, pelas rivalidades que se levantaram entre pretendentes di- versos, discordias que baniram a dynastia remante e a raça dos reis do Congo.
Morrêra D. Diogo. Tres foram os individuos que appareceram pleiteando os seus direitos à corôa; o primeiro era filho do rei, mas embora destmado a succeder por direito de nascimento, era em geral tão detestado, que a morte violenta lhe arrebatou subito as esperanças.
Os dois outros eram tambem de sangue real, um porém favorecia-o o povo, emquanto que o outro pro- tegiam-no os portuguezes e muitos dos poderosos se- nhores do reino. |
Como os chefes dos dois partidos repellissem qual- quer tentativa de accordo, pretenderam os do derra- deiro impor-se ao povo por um attentado, e decidindo a morte do principe junto do altar, ao assistir á cele- bração dos officios divinos, ahi o assassinaram. O par-
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tido opposto vingou-o, matando aquelle que os nobres propunham.
Havendo assim desapparecido os ultimos preten- dentes ao throno, msurgiu-se o povo contra os por- tuguezes, a quem attribuiu as desgraças nacionaes, trucidando muitos destes que ali residiam.
Foi então eleito D. Henrique, tio do rei defunto, em 1540. Logo depois teve este monarcha de decla- rar a guerra aos anzicos, deixando regente D. Alvaro.
N'uma batalha foi-lhe a sorte adversa, e, morrendo, extinguiu-se n'elle a raça dos antigos reis do Congo. D. Alvaro tinha vinte e seis annos quando foi elevado ao throno pelo consenso unanime da nação, em 1542.
No seu reinado teve logar um inquerito, com res- peito ao trafico da escravatura pelo rio Zaire, orde- nado por Simão da Motta (7 de maio de 1548), caval- lero da casa de el-rei de Portugal e ouvidor e provedor com poder de alçada no reino e senhorios do Congo, que deu como resultado solicitar o Muene, do monarcha portuguez, que continuasse a manter a prohibição d'esse trafico nos portos do sul.
Seu successor, D. Alvaro II, teve um remado mfeliz, por isso que os jaggas, que haviam assolado a maior parte dos paizes vizinhos, mvadiram o remo pela pro- vincia de Batta. Não podendo o exercito enviado con- tra elles suster-lhes o impeto, avançaram acto con- tínuo sobre a capital. O rei ainda quiz oppor-se-lhes à testa de algumas tropas, mas, não se suppondo em força para dar batalha, recolheu precipitadamente 4 capital, passando d'ahi com o clero portuguez e a prm- cipal nobreza do paiz para uma ilha do Zaire.
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- Os jaggas, a quem Lopes dá tambem o nome de jndes, habitavam o Monemuji (Uniamezi?) a leste de Angola, na região dos lagos d'onde sáe o Nilo !.
D. Alvaro Il enviou seu primo, D. Sebastião Al- vares, a pedir auxilo ao rei de Portugal, o qual lhe “mandou soccorro por Francisco de Gouveia, que, per- manecendo por quatro annos no Congo, o restabele- ceu no throno.
D'este tempo data a cessão feita pelo Muene aos portuguezes do litoral, desde Pinda até Loanda. Teve este principe largas relações com os monarchas Jusi- tanos, enviando cartas ao cardeal D. Henrique, bem como a D. Filhppe II por varios embaixadores, e nos ultimos tempos pelo proprio Duarte Lopes, auctor da relação de Pigafetta.
Foi elle tambem que em 1578 mandou o seu lo- gar-tenente D. Sebastião, duque de Bamba, acompa- nhado de cento e vinte portuguezes e eincoenta mil conguezes, auxiliar a Paulo Dias de Novaes na cele- bre batalha de Anzelle, bem como em 1583 enviou numerosos ba-xicongo a Cambambe, com o fim de coadjuvarem os quinhentos portuguezes que se acha- vam em defeza d'aquella praça.
1 Battel, na colleeção de Purchas, afirma que os jaggas, com quem elle serviu dezeseis mezes, e no tempo d'elle assolaram o Congo, tinham vindo da Serra Leoa. Elles mesmos lhe disseram que os portuguezes lhes davam o nome de jaggas; mas que entre si se denominavam im- bangollas. Eram doze mil commandados por Elembe. Parece-nos mais acceitavel a indicação de Lopes, podendo comtudo admittir-se, sendo tão numerosas as hordas de jaggas que se espalharam por todo o occidente, que esta confusão provenha do apparecimento de um troço que, tendo ido primeiro pelo norte até à Mina, volvesse depois para o sul.
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No reinado d'este monarcha effeituou-se, por bulla de 20 de maio de 1595, a separação do bispado do Congo do de S. Thomé, ficando a séde em S. Sal- vador.
Emfim, fechou este prmcipe o seu remado menos sympathicamente do que era de esperar dos seus al- liados, pois, mdo em 1610 Antonio Gonçalves Pitta tratar com elle da construcção do forte de Pinda, a fim de sacudir os hollandezes dah, elle, que ao tempo começára por inclmar-se ao partido destes, procedeu com evasivas e falsas desculpas, escrevendo ao mesmo tempo ao Mani Sonho, para que lhe enviasse uma carta sua ao conde Mauricio de Nassau, carta que sem duvida não era traçada em nosso interesse.
A D. Alvaro II succedeu seu irmão D. Bernardo, em 1614. Lavravam então graves discordias entre o Mani-Bamba e os affeiçoados do rei, o que deu em resultado, poucos mezes depois de subir ao throno, ser este principe morto -na ermida de Santo Antonio pelo proprio duque de Bamba, que collocou em seu logar a um sobrinho do defunto e filho de D. Alvaro.
Pouco sobrio e assaz turbulento, o novo rei, logo que assumiu o governo em 1615, com o nome de D. Alvaro III, começou em disputas com seus vas- sallos, e em 1619 declarava a guerra ao mesmo Mani- Bamba D. João da Silva, seu sogro, vindo só a con- seguir-se a paz, pela sensata intervenção dos padres Duarte Vaz e Matheus Cardoso.
Dois annos depois desta lucta succumbim, e os reis que lhe succederam, D. Pedro II (1622), D. Garcia 1 ' (1624), D. Ambrozio (1625), D. Alvaro IV (1631),
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e D. Alvaro V (1637), remaram entre todos quinze annos, não havendo durante todo este tempo facto digno de noticia, excepto no reinado de D. Ambro- z1o a transferencia da sé do Congo para Loanda, e n'aquelle do feroz Alvaro V guerras intestinas que lhe' mereceram a desgraça de precipital-o do throno ao tumulo na flor da idade.
Principiára a questão por suspeitas mal fundadas sobre o duque de Bamba e o marquez de Chiona, contra os quaes elle levantou um exercito.
Não foi a guerra favoravel ao rei, e desbaratadas as suas forças, caiu prisioneiro em poder d'elles, que, em vez de abusarem da victoria, o trataram com a consideração devida á sua elevada categoria, recon- duzindo-o á capital, de que lhe fizeram entrega.
Vexado por dever a corôa ea vida a seus vassal- los, o feroz Alvaro, logo que se viu livre, organisou novo exercito, e, marchando contra os seus vencedo- res, foi derrotado e morto.
Com o nome de Alvaro VI foi o Mani-Bamba pro- clamado rei, e pouco depois morto pelo marquez de
Chiona, seu irmão, que se fez acclamar em 1638 com
o titulo de D. Garcia II. %
Posto que houvesse subido ao throno por um acto. criminoso, D. Garcia deu a principio grandes espe- ranças, pela sua capacidade no governo, rigorosa jus- tiça e fervor religioso. A fatal ambição, porém, tudo veiu obscurecer, e o malfadado prmecipe, pretendendo fazer passar a corôa sem eleição, e contra as leis, a D. Affonso seu filho primogenito, começou a tramar o exterminio dos principes da familia real, que antes
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do duque de Bamba e delle haviam direito ao logar que elle usurpára.
Perseguindo-os, pois, D. Garcia não poupou ne- nhum dos desventurados principes que pôde descobrir, e como os padres catholicos lhe censuraram severa- mente tal proceder, o selvagem monarcha lançou-se nos braços dos feiticeiros.
Estes apoiaram D. Garcia, espirito credulo e super- sticioso, mas conhecendo que D. Affonso, seu filho, por muito affeiçoado ao christianismo, detestava os ritos idolatras, começaram a malquistar o pae com o filho, dando logar este facto a que o primeiro, que tanta crueldade commettêra por causa do segundo, o accu- sasse perante os estados reunidos de o ter querido elle envenenar, declarando-o mdigno do throno, e fa- zendo coroar em sua presença D. Antonio, seu filho segundo.
Foi em seu reinado e no anno de 1645 que chega- ram ao Congo os primeiros capuchinhos italianos, com bullas de Urbano VIII, remessa que em 1647 se re- novou com mais quatorze frades desta ordem.
Como muitos dos seus antecessores, D. Garcia era faustoso, e disso nos falla Dapper ao descrever a ma- gnificencia da sua côrte, quando recebeu a embai- xada que os hollandezes lhe enviaram em 1642, de- pois da tomada de Loanda por Cornelius Cornelison Jol Houtebeen.
Morto D. Garcia, succedeu-lhe no throno D. Anto- nio em 1658.
O primeiro acto do seu governo, ao subir ao thro- no, foi mandar matar o irmão mais velho. D. Garcia
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na hora do passamento parece lhe havia recommen- dado isso muito expressamente, bem como lhe lem- brára a conveniencia de não poupar nenhum dos prin- cipes de sangue real; mdicações que elle facilmente executou, levando o cuidado ao ponto de se desfazer do irmão mais novo.
A maior parte dos prmeipes que poderam escapar ao cutello ou punhal de D. Garcia haviam-se refu- giado no reino de Angola; D. Antonio até ahi se sup- põe os foi buscar, assassinando todos sem piedade.
Não lhe aproveitavam as constantes admoestações dos missionarios, para impedirem taes crueldades, e como novamente fosse por estes censurado, por haver contrahido um casamento incestuoso, tão indignado ficou, que retirou todos os bens ao clero, e promul- gando editos contra a religião, declarou que faria cair a sua Ira sobre todos os portuguezes.
O seu successor D. Alvaro VII (1662), meitado pe- los feiticeiros, levantou contra os portuguezes um exer- cito numeroso, disposto a esmagal-os. N'essa epocha o absoluto poder que o rei do Congo exercia sobre os povos vizmhos era tal, que d'elles dispunha a seu bel-prazer. Ao mmimo signal levantava exercitos in- numeraveis, pondo-se de subito em campo. Carli e outros viajantes contam que elle marchou contra os portuguezes á testa de novecentos mil homens, cifra estupenda, pouco acceitavel mesmo, a não querermos suppor que o audaz monarcha se dispunha a conquis- tar o mundo.
Os seus n'ganga lhe haviam predito a victoria, bem como uma entrada triumphal em Loanda, capital do
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remo que ía mvadir, conduzido pelos principaes se- nhores portuguezes.
Alvaro, entontecido com similhantes idéas, avançou sobre Angola em 1663.
Governava então aquelle remo André Vidal de Ne- greiros, que enviou ao encontro da estranha multidão Luiz Lopes de Sequeira com duas peças, quatrocen- tos espmgardeiros portuguezes e quatro mil pretos, commandados por Manuel Rebello de Brito, Diogo Rodrigues de Sá e Simão de Matos.
Quando se avistaram os belhgerantes nas terras do dembo Ambuila, o cauteloso D. Antonio retirou-se para uma emmencia, a fim de observar a acção.
Travou-se a lucta, e empenhando-se seriamente n'ella os portuguezes, desbarataram ao cabo de pou- cas horas as forças do rei negro, caíndo Luiz Lopes de Sequeira com sua columna sobre a emimencia onde estava D. Antonio, que pagou com a cabeça a auda- cia de arremetter com Angola. Essa cabeça foi levada em triumpho para Loanda, terminando assim a ques- tão por um desfecho bem differente Vaquelle que lhe “haviam prophetisado os n'gangas. Carh diz que Se- queira lhe affirmára que todas as guarnições das ar- mas e adereços do rei eram de puro oiro batido. Em acção de graças pela victoria de Ambuilla foi fundada na capital a igreja da Nazareth.
Assim terminou este infeliz monarcha, a quem o orgulho e a cegueira fizeram esquecer os favores nu- merosos recebidos dos seus allados, levando-os contra
vontade a inflingir-lhe um serio castigo. Succedeu-lhe então Alvaro VII, que, fazendo as
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pazes com o governo de Angola, permittiu que se procedesse á exploração das suppostas mimas de oiro do Congo. |
Depois delle, Mérolla falla-nos de D. João Simão Tamba e de D. Sebastião Grilho, até que em 1671 Luiz Lopes de Sequeira aniquila o poder do ultimo rei do Congo, D. João Hary.
Em 1680 os portuguezes conquistam o condado do Sonho, e logo o Mami, despeitado, escreveu ao nuncio de Bruxellas, para lhe mandar outros missio- narios em substituição dos capuchinhos, facto a que este não accedeu, e se lhe enviou em verdade tres franciscanos, foi isso com a condição de continuar a obedecer ao superior dos capuchmhos, que era en- tão o padre Thomaz de Sistula.
Havia no tempo de Mérolla dezoito igrejas no So- nho, e Dapper diz que o mesmo paiz tinha muitas escolas, onde os naturaes aprendiam a religião christã e a ler e escrever o portuguez, facto que, digâmos aqui, não se limitava só áquelle ponto da costa, pois em 1684, ao tempo em que era governador Luiz Lobo da Silva, fundou-se em Loanda um seminario para a educação dos indigenas.
Em vista dos ultimos successos e da extincção da dynastia reinante, achava-se o remo do Congo sem governo autonomo, quando el-rei de Portugal, D. Pe- dro II, se lembrou de remediar este grave estado de cousas, ordenando ao governador de Angola, por car- tas de 17 de março (1690), 29 de abril (1691), e 24 de janeiro (1693) que fizesse proceder a eleição de
novo rel.
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Preparou-se tudo, e por carta de 5 de março de 1700 é mandada reunir uma commissão composta dos vul- tos principaes d'ali, como o conde do Sonho, o duque de Bamba e o marquez de Pemba, para que, auxiliado pelo padre Francisco de Pavia, superior dos capuchi- nhos, procedesse à dita eleição.
Foi indigitado e eleito D. Pedro de Agua Rosada, que em 1702 recebeu a confirmação do governo de Portugal. |
Contimuaram os capuchinhos a obra dos seus pre- decessores no Congo, chegando mesmo em seus tra- balhos para o sul a fundar em 1708 um hospício em Loanda. D'ahi para cá, começou de afrouxar o trabalho dos missionarios por muitas rasões, entre as quaes figura a extraordimaria mortalidade entre os padres que se dedicavam a tão nobre fim, de mo- do que em 20 de março de 1814 D. Garcia V se queixava a el-rei de Portugal do abandono em que se encontrava o Congo, solicitando a remessa de novos missionarios.
Em 1859 dissensões imtestinas attrahem para ali de novo a attenção do governo portuguez.
Um pretendente á corôa empolga a capital, S. Sal- vador, fazendo com que o rei legitimo reclame o auxi- lo de Portugal. O capitão Zacharias da Silva parte do Bembe e entra em S. Salvador a 25 de junho, ao
mesmo tempo que outras forças, sob.o commando do capitão de fragata José Baptista de Andrade, coadju- vado por Theotonio M. Coelho Borges e pelo major Roberto dos Santos, mvestem com o Bembe. Derro- tando o inimigo, avançam para o norte e desbara-
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tando o Dongo rebelde na capital, restituem a corôa ao Muene Totella, D. Pedro V, deixando ahi o major Ventura José com trezentos homens.
Eis muito summariamente exposta a resenha do movimento politico no estado do Congo, durante um lapso de trezentos e setenta annos, em que teve sempre acção activa Portugal, até ao dia em que, entendendo de necessidade, para evitar luctas, a annexação a An- gola, o encorporou em seus dominios.
Decaído do seu velho esplendor, transformado suc- cessivamente em districto e depois concelho da nossa provincia africana, esse antigo imperio não conserva da passada grandeza outros vestigios senão nos tem- plos, nas ruinas e nos padrões que por todo elle dei- xaram os portuguezes.
Para aquelles que pelos olhos passarem estas pagi- nas deve similhante facto impressionar profundamente, levando-os a considerar como foi possivel apagar-se da superficie da terra, ou afogar-se no meio das sel- vas, o potente trabalho de tantas gerações.
Deve ter sido a mcuria governativa, dirão muitos; o afrouxamento do zêlo religioso, dirão outros; a im- fluencia nefasta da escravatura, dirão os mais atila- dos, a causa da desorganisação d'esse estado, que mui proximo do curso de um grande rio, e portanto em faceis communicações com a Europa, natural seria que prosperasse.
Não suppomos ter sido, nem a imcuria, nem o afrou- xamento, mas sim outro o motivo.
A enxada do progresso não entra com igual facili- dade em todos as glebas, e assim como o arado do
Historia politica do Congo 55
lavrador em chão batido de argilla e semeado de rocha o rasga a custo, e partindo-se no choque de encontro as arestas d'esta, não deixa sulco que abrigue a se- mente, que então, exposta ás mtemperies, se decompõe e perde; asssm a energia e os capitaes das nações, poderosos mstrumentos a empregar na obra da civili- sação e colonisação do mundo, se embotam e perdem multas vezes, por não encontrarem meio proprio onde possam implantar e fazer vmgar essa preciosa semente, donde brotam as sociedades, o trabalho e o progresso, e se denomina o colono.
À bacia do Congo parece-nos ser uma d'essas nu- merosas zonas que se acha no caso citado, e como a costa da Mina, o ardente Sahara, a terra Caliente do Mexico e tantas outras, ha de zombar sempre dos esfor- ços do europeu, e constitumdo, por assim dizer, os der- radeiros reductos onde a raça negra só poderá vingar e aquartelar-se, ha de tambem e infelizmente consti- tuir uma protecção à barbarie, envolvendo-a nas sel- vas e num meio onde o europeu succumbirá sempre.
Quantas não foram, se compulsarmos a historia, as tentativas feitas por Portugal para colonisar defimtiva- mente aquella zona e mtroduzir ali os beneficios da ci- vilisação, e quantos, se os contarmos, os revezes sof- fridos? |
' Por centenas foram para ali os missionarios, por de- zenas as colonias, por duzias se contam as expedições militares, e, sem embargo, essa nação que de um fo- lego fez o grande imperio do Brazil, apertada aqui no ferreo circulo da insalubridade em combate com o impossivel, viu desfazerem-se em pó todas as suas
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esperanças, derribadas pela mortifera fouce que lhe ceifava as vidas de quantos filhos lá mandava. É uma
hecatombe a historia d'essas tentativas, a sua enume- ração uma a uma seria o De profundis entoado em louvor de victimas, pois outra cousa não ha por ali a assignalar.
“Attentemos no que se vê hoje, lembremos no meio da grande labutação que por lá vae (e sem embargo dos poderosos recursos da sciencia medica moderna), as numerosas victimas que vão marcando cada passo do progresso; escutemos os constantes conselhos que os homens mais conhecedores a todo o momento dão sobre a hygiene a observar; lembremos as declara- ções como a de Tisdel sobre a impossibilidade da ma- nutenção do europeu ali; e quando, reunindo todos esses factos, os sobraçarmos, abalando para os tem- pos remotos, veremos que, se hoje a lucta é enorme e gigante, talvez impossivel, n'aquellas epochas devia ter ido mais longe, devia ser msupportavel!
Quanto fica dito não é mais do que a expressão da verdade; o clima é sempre o factor mais valioso, se não o preponderante no retardamento da obra da ervi- lisação em todas as terras tropicaes, muito prmeipal- mente ali; e se os portuguezes que em todo o tempo se abalançaram ás emprezas mais atrevidas, recua- ram ou antes não proseguiram no Congo, apesar da attrahente cobiça de devassar os grandes sertões do norte, é porque alguma causa fóra do commum os im- pediu, e essa causa de certo foi o clima.
Saneêmos o Congo, se tal empreza é praticavel, e então ver-se-ha para ali correr a torrente colonisado-
Historia politica do Congo Dl
ra; nas circumstancias actuaes digamos outra vez com Tisdel: «Um preto com certa mstruceção e medioere conhecimento da lingua fioti, póde fazer entre os natu- raes o que o branco nunca fará»; acrescentando de nossa casa: «e esse preto, que nós prepararemos nos logares salubres, será o unico colono capaz de ada- ptar-se n'aquelle ponto, o unico capaz de ter predo-
minio no Congo».
CEEE
NA COSTA OESTE
Em Angola— Aspecto do cordão litoral e sua vegetação — Terras do interior — Entre Cuanza e Bengo, quadro triste— Problemas que nos propunhamos — Material e pessoal — Considerações — Artigos da expedi- ção— Francisco Ferreira do Amaral — Uma noticia historica— Salvador Correia e a conquista de Loanda — Fortalezas e edificios publicos — Os jardins, os muceques, a vegetação, a salubridade e a ilha — Os muxi-loan- das e a sua opinião aristocratica — Rendimentos e governo —"Tribunaes judiciaes— Considerações sobre os deportados e colonias penaes.
ga
S A zona htoral — das possessões portuguezas na costa oeste tem um aspecto uni- “forme e n'alguns
pontos arido, que
- contrasta com as “terras do norte
debaixo do equa- dor.
ce O viajante por “* toda a parte vê
o um longo cordão e ramjadio mina ou n'outro ponto por pequenas bahias areosas, ao fundo das quaes a mancha escura do mangue verde accusa
Pci q
a existencia de agua, e extensas barreiras aprumadas
62 De Angola á contra-costa
e vermelhas entreligam, projectando-se sobre um fun- do longinquo de morros e serras elevadas. À vegeta- ção, de triste aspecto em geral, accentua-se pelo bao- bab, esse gigantesco vegetal, cujos troncos medem ás vezes 20 e 30 metros de circumferencia, por euphor- bias como a cassoneira, outra à similhança de um can- delabro, e que é suppomos a Huphorbia hermentiana (?), algumas Hyphocnes, legummosas rasteiras, bosques de jasmimeiros, aloes e sycomoros.
Junto ao mar, nas praias, arrastam-se tristes Con- volvulus, a fava do Calabar, etc.
No sul e nos areiaes safaros a Welwitschia mirabilis e ennegrecidas Baulumas caracterisam a flora.
Logo para o interior o paiz é frequentemente park- lhe, e a scena a 8 ou 10 milhas do mar modifica-se para dar logar a pittorescos golpes de vista, por meio de verdes campinas, onde avermelhados Convolvuli, amarellas Orchideas e brancos Commeleynce rivalisam de brilho, atapetando o terra d'onde emergem Erythe- rinas de flores rutilantes e mais avultados exemplares do remo vegetal.
A disposição, de mais em mais elevada, das terras opéra notaveis mudanças na vegetação, e ao quadro que acabâmos de descrever succede-se, 4 medida que vamos para o interior, outro de mais risonho aspecto, pelas arvores gigantes que tudo cobrem com a sua fo- lhagem, elevadas gramineas e numerosas palmeiras oleosas.
No parallelo de Loanda as grandes florestas appro- ximam-se muito do litoral, vendo-se em Cazengo e Go- lungo os mais formidaveis exemplares africanos.
Na costa oeste 63
Junto ao mar, emfim, e entre os rios Bengo e Quan- za, é triste o quadro que se revela na nudez das bar- reiras avermelhadas do Cacuaco, Dande, ete., e nas ondulações interiores de Caculo-Cassongo e outros pontos, como adiante veremos.
Foi em março de 1884 que ahi começou os seus trabalhos a nossa expedição, esperançada em resolver rarios problemas, nos quaes figurava o de encontrar um caminho commercial entre as provincias portu- guezas de Angola e Moçambique; mquirir nas regiões centraes as relações das bacias hydrographicas do Zaire e Zambeze; e atravessar emfim pelo meiô as zonas branqueadas que na carta existiam, taes como a terra ao oeste do valle de Barotze, aquella que se estira para o nordeste do Cabompo até à região dos lagos, e emfim toda a que do sul do Bangueolo vae “até ao Zambeze.
Ligavam-se a este triplo problema outros de im- portancia secundaria, que deixavamos ao acaso o cui- dado de nos fazer conhecidos; mas o nosso plano era principalmente estudar e esclarecer em definitivo toda a zona central da nossa provincia angolo-moçambi- cana, calculando até que ponto os ferteis sertões que a constituem poderiam encontrar no Zambeze uma saída para os seus productos.
Como facilmente se póde deprehender, tão grave assumpto representava para os nossos Interesses uma questão de summa importancia, e carecia de attento estudo, bem como reclamava uma apropriada escolha de itmerario, que melhor podesse decidir em materia de aproveitamento.
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Escusado é acrescentar que não foi sem séria he- sitação que tomámos sobre os hombros esta empreza que tão longe nos iria arrastar pelos matos; rude ta- refa, quiçá um pouco superior aos recursos de que dis- punhamos, apesar de ter o governo de Sua Magestade ordenado que se nos entregasse tudo quanto para tal fim requisitassemos.
Contando porém com os conhecimentos na primeira viagem adquiridos, preparámo-nos como podémos, não devendo por isso causar estranheza o modo por que a ageitámos, e sobretudo a exiguidade dos ar- tigos de que nos fornecemos, factos sobre que vamos dizer duas palavras.
Devia contar o nosso pessoal o limitado numero de cento vinte e quatro pessoas, numero sem duvida res- tricto, mas que não convinha exceder, embora grande fosse o commettimento.
À pratica que temos do sertão ha muito nos evi- denciou que, quanto mais numerosa é a caravana, maiores são os embaraços e mais graves as complica- ções que por toda a parte se lhe deparam; bem como é obvio que, para maior numero de cargas, mais cres- cido deve ser o numero de carregadores, e que, em igualdade de circumstancias, tudo quanto excede uma centena de homens vae muito alem das necessidades de uma viagem ao mato, excedendo sobretudo em muito a cifra para que em geral se podem encontrar recursos ah.
Não é só sob este ponto de vista que deve encarar- se a organisação de uma comitiva preparada para lon- gos emprehendimentos, bem o sabemos; da sua segu-
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rança atravez dos bosques africanos póde depender o exito dos trabalhos a executar, segurança que princi- palmente se baseia no numero, e deste é consequencia tambem a maior ou menor somma de confortos de que precisa cercar-se o europeu quando percorre aquellas regiões. |
Como, porém, a gente deve habituar-se um pouco a andar á mercê da sua boa estrella, e convencer-se de que n'este mundo nada resiste a uma força de vontade determinada, e que o principal é ter saude, lançámos de banda receios, prescindindo de tudo que podesse embaraçar a nossa marcha, circumstancia da qual de- pendia, a nosso ver, o problema que nos propunhamos.
Considerando isto, em logar de uma centena de far- dos de fazenda, dispozemos e organisámos vinte e sete de algodão e riscado; em vez de uma profusão de cargas de missanga, sómente uma duzia de saccos de cincoenta libras; para miudezas, instrumentos e raros presentes tres caixas; quatro ditas para o que cha- mavamos rancho, isto é, chá, café, sal, assucar e adu- bos ou temperos; e, finalmente, uma para artigos de mesa !. |
Duas grandes canoas, uma pharmacia, seis cunhe- tes de cartuchame Snider e dois de nossas armas, duas tendas, um fardo de arame de latão, dois saccos de lona pintada, contendo fatos de flanella, e uma mu- hamba com artigos de cozinha, compunham por assim dizer todo o material da expedição.
1 As caixas eram forradas e de dimensões proprias a poderem ser conduzidas ao hombro. 5
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Ageitado este, ficava a parte mais aborrecida é en- fadonha; a do engajamento do pessoal, tarefa sempre cheia de decepções e duro soffrer para quem a sorte aprouve lançar em taes commettimentos, e a que só paciencia de aço e desusada pertimacia, envelhecida no seu conhecimento, póde fazer frente.
Que o digam aquelles que, como nós, ali têem tra- balhado, se alguma cousa ha que desafie ao desespero, como essas scenas repetidas de fugas, enganos e per- fidias que acompanham sempre os preliminares de uma expedição africana.
Nenhum explorador pôde isentar-se d'elles, nem um só deixou de relatar as angustias desses primeiros dias de mato, da desesperação causada pelas fugas, receios e conhuios de carregadores e chefes, sem exprimir pro- funda tristeza. |
Entretanto, nada aproveitam as suas sentidas des- cripções e os seus numerosos esclarecimentos; aquelle que infelizmente lá volte, tem de passar pelos mes- mos dissabores, ficando-lhe sómente dos camaradas a recordação de os haver tido por companheiros no sof- irer,
Felizmente para nós, deu-se uma circumstancia que minorou todos estes obstaculos, a qual de bom grado aqui registâmos, como tributo de serio reconhecimento ao homem que em Angola nos dispensou a mais apre- ciavel protecção.
Achava-se à testa do governo da provincia Fran- cisco Ferreira do Amaral, um dos mais sympathicos officiaes da marinha real portugueza, e foi elle que, por habituado ás lides africanas e de imtelligencia a com-
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prehender estes obstaculos, nos aplanou com o seu auxilio e conselho bastantes dificuldades. Tudo se fez com ordem e por maneira tal, que nos primeiros dias de março íamos a caminho de Mossamedes, onde uma corveta de guerra nos devia receber e transportar, acto contínuo, a Porto Pinda, ponto indicado como inicio para a partida.
Alegres e contentes se achavam prestes a largar Loanda cento e duas pessoas do Celli, da Quisanga, de Novo Redondo e do Nano, que fam encontrar com- panheiros em Benguella, e satisfeitos nós tambem de- sejariamos abalar; não o faremos, todavia, sem dizer duas palavras ácerca da posição geographica, aspecto e importancia da primeira cidade da provincia de Angola e séde do seu governo. |
Com grande receio vamos lançar-nos ainda nos domimios da historia, pois tememos que por abuso d'ella se melindre a benevolencia do leitor; mas se na verdade é aborrecivel relembrar factos e datas que pela maior parte deviam existir na memoria de todos, nada ha tão agradavel como restabelecel-os.
Acontece que, se de muitos é conhecida a historia e seus geraes detalhes com referencia às nossas pos- sessões mais Importantes, outros parecem completa- mente 1gnoral-os, e não figuram pelo menor numero os estrangeiros, que de resto, tendo estado n'ellas, as amesquinham e deturpam nos seus escriptos, espa- lhados com profusão, produzindo nos espiritos idéas erroneas a nosso respeito!
Está n'este caso a nossa cidade de Loanda, capital da provincia, que, por desleixo imcomprehensivel de
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um eseriptor, se não por má fé, amda ha bem pouco foi alvo de uma injustissima descripção feita em volu- moso livro, que a arrastava pelo nivel da mais sordida das senzalas.
Urge pois, sem pretender eleval-a, dar á sobredita descripção, em uma singela noticia, o cunho verda- deiro de que carece. |
A historia da conquista de Angola e fundação de Loanda seria longa tarefa, que os limites impostos a este capitulo não permittem. Afastando-nos pois da narrativa das nossas descobertas na costa, e da expo- sição minuciosa dos trabalhos ali operados por Paulo Dias de Novaes, seu primeiro governador, tão distincto diplomata quanto intelligente general, assignemos a primeira data notavel.
E a de 1641, anno da conquista de Loanda pelos hollandezes, que asssm se achavam dominando na Africa occidental, depois de possurem uma grande parte do Brazil.
Salvador Correia de Sá Benevides, que partira de Portugal com uma frota para limpar as costas da America do sul, aportando ali pouco depois, trava lucta, e batendo os hollandezes no Recife e logo na Bahia, prosegue para leste, incumbido pelo monarcha D. João IV de ergir uma fortaleza na feitoria e porto de Quicombo, se infelizmente não podesse tomar posse de Loanda. |
Foi a 12 de março de 1648 que elle, capitaneando a referida frota, composta de quinze navios, quatro dos quaes adquirira e equipára á sua propria custa, soltou véla do Rio de Janeiro.
Na costa oeste 69
Chegado a Quicombo em agosto com cerca de no- vecentos homens, Salvador Correia reuniu acto conti- nuo conselho de officiaes, e explicando-lhes a necessi- dade de livrar a villa mterior de Massangano das mãos
E. vaN MUY DEN. a
RAPARIGA CELLI
Tirado de uma photographia
dos mimigos, convidou-os a que o acompanhassem na empreza. Com tanta arte soube actuar no coração dos audazes companheiros, por tal modo lhes fallou nas esperanças da patria, na grandiosidade dos feitos de outrora, e na honra e gloria que os esperava, que,
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concluido o conselho, tudo se dispoz da melhor von- tade para a partida.
Sendo mdubitavelmente a cidade de Loanda chave da conquista, para ali se fez a esquadra de véla, e em 12 de agosto surgia no seu porto. :
Não se demorou Salvador Correia com planos e delongas, e enviando um official a terra, imtimou a guarnição da fortaleza a que se rendesse, conceden- . do-lhe dois dias para dar resposta.
Ao cabo de quarenta e oito horas, como se recu- sassem os hollandezes a responder, fez um tiro o na- vio chefe, desembarcando da esquadra toda a força disponivel.
À principio quizeram os mdigenas oppor tenaz re-
sistencia, mas vendo o numero dos nossos fugiram aterrados, ao passo que Salvador Correia, rompendo com a sua artilheria um vivo fogo, dava no dia 15 assalto geral 4 fortaleza. “Abandonados pelos naturaes seus alliados, começa- ram os hollandezes de se arreceiar, até que pela tarde d'esse dia propozeram a capitulação, que foi pelo ge- neral immediatamente acceita.
Entregando assim as armas, saíram ao todo mil e quatrocentos mdividuos, segundo parece, dos quaes trezentos andavam juntos 4 rainha Ginga, e, sendo mettidos em tres navios, foram enviados sem demora para a Europa. |
No curto espaço de dois dias, pois, e impellidos pelo genio de Salvador Correia, conquistaram os portu- guezes de novo a capital da sua provincia, que sete annos estivera na posse dos hollandezes.
Na costa oeste TO
E na latitude 8º.47' sul e longitude 13º.7'.80” oeste de Greenwich ao fundo de formosa bahia, que está edificada a cidade de Loanda; dividida em dois bairros distmctos, respectivamente denominados alto e baixo; sendo o primeiro o bairro elegante e onde se acham os edificios mais importantes, e o segundo aquelle propriamente commercial,
Defendem-na ao presente quatro fortalezas, que se denominam S. Miguel, S. Francisco do Penedo, S. Pedro do Morro de Cassamdama e Nossa Senhora da Conceição.
À primeira, construida pelo systema Vauban, com a fórma de um polygono irregular, adaptada á con- figuração do morro de S. Miguel, é de todas a mais importante. bra
Começada em 1638 pelo governador Francisco de Vasconcellos da Cunha, foi concluida em 1689 por D. João de Lencastre, juntando-lhe em 1770 o go vernador D. Francisco de Sousa Coutinho a bateria, que aimda hoje se conhece pela do Cavaleiro, com dezeseis peças.
Para o lado do mar uma cortina com quatorze fa- ces póde montar setenta e oito bôcas de fogo, sem contar uma pequena bateria de seis peças, ao passo que pelo lado da terra dois valentes baluartes, com dez canhões cada um, cruzam os sens fogos com a bateria do Cavalleiro. |
1 Na ponta norte da ilha existiu em outro tempo, no começo do seculo xvirr, O forte de Nossa Senhora da Flor da Rosa, de que hoje resta ape- nas a memoria, e na barra de Corimba o forte de S. Fernando.
12 De Angola á contra-costa
No seu vasto recinto ha residencia para o governa- dor, quarteis, paioes, e cisternas para mais de mil e quinhentas pipas de agua, como tambem capella, pri- sões, etc.
Foi aqui que em 15 de agosto de 1648, sete an- nos depois de terem conquistado a cidade, como dis- semos, os hollandezes capitularam.
Vem em segundo logar a do Penedo, systema Vau- ban, cujos fundamentos foram lançados em 1687 pelo governador Luiz Lobo da Silva, e que D. Francisco de Sousa Coutinho completou em 1765, unindo uma rocha isolada no mar às penedias da terra firme, no curto espaço de dezoito mezes.
Tem a bateria superior vinte e quatro peças, e a inferior trmta e sete d'estas machmas de guerra, fa- zendo com que o forte domine por completo a entrada do porto, bem como o caminho do Cacuáco para Loan- da. No seu paiol armazenam-se 128:000 libras de pol- vora.
Successivamente encontra-se o forte de S. Pedro, obra do governador D. Antonio Alvares da Cunha, que o começou em 1703, acabando em 1705. Para o lado do mar duas baterias se sobrepõem, a de cima com dez bôcas de fogo e a de baixo oito, ao mesmo tempo que dois baluartes, cada um tendo nove peças, a defendem dos ataques de terra.
O governador possue ahi residencia, bem como quarteis, depositos e cisterna para cincoenta pipas de agua.
Emfim, tem a de Nossa Senhora da Conceição, de menos importancia, com quatro bôcas de fogo.
Na costa oeste io
Loanda é uma cidade ampla, limpa e pittoresca. Graciosamente reclinada na encosta das terras que miram ao noroeste, ostenta, quando vista do lado do mar, o aspecto de uma cidade europêa, com os seus renques de asseiadas e bem dispostas casarias, que,
HOMEM DO NAXO
Segundo uma photographia
sobrepondo-se garridas umas ás outras, se ligam por extensas calçadas.
Possue muitos edificios e seria longo aqui enumerar todos. Citaremos, entre os principaes, o hospital perto de Ponta Negra, verdadeiro sanatorium, que não tem igual em Africa; o palacio do governador, obra im-
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portante; o palacio do bispo, a escola de artes e offi- cios, o tribunal da relação, a casa da camara, a alfan- dega, officmas de fundição, etc., sem contar muitos templos e grande numero de edificios particulares.
Existem varios jardins. publicos, entre os quaes figura o da Ponta de Izabel, com quinhentas arvores de fructo, dividido em cmco avenidas, de que a cen- tral tem nove terraços com uma pyramide em cada extremidade, cortando direita por um lado á casa de recreio do governador, construida em 1817 pelo vice- almirante Mota Feo, e à igreja da Nazareth; o jardim do largo de Salvador Correia, etc.
Nas terras altas, que pelo nordeste a dommam, são numerosas as casas de campo denomimadas muce- ques, onde os abastados de Loanda passam em ocios os seus dias de ferias.
A cidade alta é imdubitavelmente considerada a mais saudavel, e onde reside uma grande parte da população branca.
À vegetação é constituida em geral por euphorbias, bao-babs e aloes.
Completamente livre de pantanos, que tanto' con- correm, como é sabido, para a msalubridade de qual- quer região, Loanda soffre um pouco de falta de agua, problema que não seria difhicil resolver, e está mesmo em via de solução, fazendo-se o seu abastecimento de agua do rio Bengo.
As ruas são bem calçadas, mas depois de termina- rem as chuvas é necessario desobstruil-as das areias que se accumulam, em consequencia da desaggrega- ção, nas encostas das terras altas.
Na costa oeste 75
Dá este facto logar a que o recemchegado n'aquella epocha supponha não calçada a cidade baixa, sendo este um defeito irremediavel até agora.
Fronteira á cidade está a ilha, especie de quebra- mar de areia, que, estirando-se do sul ao norte, abriga dos movimentos do oceano o porto interior, que se póde considerar um verdadeiro tanque.
Numerosos coqueiros vestem essa longa facha are- nosa, outr'ora Importante pela colheita do cauri!. Por meio do palmar, brancas casas de campo constituem o recreio de muitos senhores de Loanda, e á sua som- bra vive uma população de talvez mil e quinhentas almas, compondo-se a terça parte de pescadores.
Os habitantes da referida ilha são os muxi-loan- das, aristocraticos e directos descendentes dos mani- congo (em sua opinião), povos que ali tiveram o seu ultimo asylo, fazendo de suas pessoas idéa muito h- sonjeira”.
Em resumo, a capital da provincia de Angola, tem hoje uma população de dezeseis mil almas, um movi- mento de importação e exportação de vulto é um ren- dimento para o thesouro assás consideravel.
A sua força publica monta em caso de guerra a vinte mil homens, quinze mil dos quaes são de segunda linha, guerra preta e empacaceiros, e os restantes de primeira.
1 Cauri, zimbo, buzio. Nº'esta ilha residia, nos tempos da grandeza do Congo, um logar tenente do rei para apanhar o cauri.
* No tempo de Merola e outros, havia n'esta ilha sete povoações (li- batas), sendo a principal a do Espirito Santo, com sua capella.
ED E E E RT EN
76 De Angola á contra-costa
À instituição da sua camara municipal data do anno de 1648, e compõe-se de um presidente e seis mem- bros gratuitos, percebendo salario apenas o secretario d'aquelle corpo collectivo.
De longa data desappareceu a escravatura ah, e quando pelo decreto de 10 de dezembro de 1836 se prohibiu a entrada nas colonias de todos os escravos por mar, e em 14 de dezembro de 1854 a sua intro- ducção pela via terrestre, já na cidade capital da pro- vincia se não pensava sequer no homem n'estas con- dições. |
A séde do governo geral é n'esta cidade, e está in- vestido na pessoa de um governador militar, official que logra as honras dos antigos capitães generaes, supremo administrador, que faz todas as nomeações: civis e militares com a conveniente sancção do gover- no da metropole, e preside á junta governativa, com- posta das principaes summidades ecclesiasticas, civis e militares, assim como sancciona todos os negocios de fazenda.
Nos tempos da conquista os negocios judiciaes de Loanda e dos districtos em redor eram dirigidos pelo ouvidor geral, jurisconsulto para esse ffm nomeado, com a assistencia de dois magistrados, um em Loanda, outro em Massangano.
Em todos os presidios a magistratura era investida nos commandantes militares.
Em 1721 nomeou-se para ali o primeiro juiz de fóra, e em 1837 foram creadas as comarcas de Angola e Benguella; hoje são numerosas na provincia e todas têem seus juizes e delegados.
Na costa oeste Ti
Ha um tribunal judiciario com as varas respectivas do crime e civel, e uma relação; um procurador regio, um guarda mór ou ajudante completam o quadro, e alem destes um curador geral dos indigenas na costa.
Uma das grandes catastrophes que durante annos victimou a cidade capital de Angola, e quiçá os dis- trictos do sul, causando-lhe na metropole uma repu- tação aterradora, foi a proveniente da remessa dos degradados para ali, facto que, occasionado por sen- tenças condemnatorias de deportação e degredo, espa- lhou entre as populações provinciaes de Portugal as mais negras suspeitas a proposito d'aquella parte da monarchia. Muitas seriam as mães que consentissem a emigração de seus filhos para o Brazil, com espe- ranças no seu bom futuro; mas raro quem, ao ouvir dizer «o teu filho vae partir para Angola», podesse conter as lagrimas.
Felizmente as cousas têem mudado com as sabias medidas do governo; e como em capitulo adiante te- remos de fallar das zonas saudaveis da nossa colonia oceidental africana, e do imteresse da sua povoação, digamos alguma cousa sobre o modo de prover ás menos salubres.
Se os trabalhos publicos podem nas terras sãs en- contrar nos agrupamentos de degradados um precioso recurso para o seu desenvolvimento, não menos apro- veitam as zonas pouco saudaveis com a applicação re- grada dos esforços d'estes.
As grandes derrubadas, as multiplices drenagens e outros elementos de saneamento podiam ter no, traba- lho do degredado um precioso auxiliar, e não menos
18 | De Angola á contra-costa
ganharia a moral pelo emprego delle n'esta zona, pois a febre intermittente para o criminoso deve conside- rar-se a melhor das medidas sanitarias, debaixo deste ponto de vista.
O criminoso de boa constituição physica é em geral um ente de imstinctos brutaes, rebelde a quaesquer sentimentos humanitarios; logo, porém, que a doença o domina, o seu modo de ver modifica-se e sob a suave pressão da morbidez o espirito como que se pu- rifica!
Não é necessario ir longe para encontrar demon- strações a este facto (aos olhos da philanthropia talvez condemnavel por monstruoso); está elle no animo de muitos governadores, cujas opmiões aqui podiamos facilmente citar, e diz-nol-o, emfim, um celebre via- jante, que em suas peregrinações passou por Angola, homem insuspeito, attento o caracter religioso que o revestia. |
«E um facto notavel, diz elle, que durante a noite quasi todas as armas de Loanda estão sem perigo nas mãos de homens enviados para ali por degredo. Mui- tas são as rasões apresentadas a favor d'este suave procedimento por parte das auctoridades; mas nenhu- ma dellas, quando comparada com o que sobre o caso conhecemos na Austraha, nos parece valiosa. À reli- gião não eremos que se relacione com a mudança ope- rada no europeu. O clima provavelmente tem mfluen- cia em dominar as suas turbulentas disposições; para os habitantes, etc. Se nós mglezes devemos ter colo- nias penaes, parece-nos que um serio estudo ácerca do clima deve ter vantagens na selecção.»
Na costa oeste 19
Isto “dizia um homem tão conhecedor do assumpto como nós da nossa casa; e isto, repetimos, é um facto que merece muita attenção, ao qual se não deve jogar a humanitaria pedrada de assassmar quem possue di- reito á vida.
Não queremos de certo a morte do degradado, mas o que desejâmos é aproveitar d'elle o mais possivel, e concorrer eficazmente para regeneral-o em beneficio proprio e da patria.
Diminua-se, pois, o tempo do degredo a doze, sete e cinco annos; revogue-se de uma vez para sempre a reclusão em masmorras, que é a morte n'aquellas regiões; organisem-se colonias penaes agricolas em Ambaca, Malange, Duque, Cassanje e Cuango, e dis- tribuam-se por ellas os individuos condemnados a de- gredo que a metropole envia periodicamente para cumprirem sentença.
Sejam arejadas as residencias, substancial a alimen- tação, bem distribuido o trabalho. Estradas, edificios, arroteamentos de terras mandem-se fazer por elles, e em horas especiaes, das seis ás dez da manhã e das tres ás seis da tarde. À ninguem se conceda isenção, excepto no caso de molestia, nem se permitta licença para afastar-se do recinto da colonia senão após qua- tro annos de exemplar comportamento.
Prohiba-se toda a especie de transacção monetaria no primeiro espaço de dois annos, aproveitando inva- riavelmente os esforços d'essa gente reunida, no bem da colonia e saneamento da zona. Às febres virão sem duvida, mas para essas temos o quinino e as imdica- ções de individuo conhecedor do mester, que só aucto-
ig enem mm e O DO
80 De Angola á contra-costa
risará o regresso à capital dado o caso de perigo de vida.
Do seu enervante influxo conseguir-se-ha a corres- pondente depressão de espirito, sendo o primeiro passo para o saneamento moral, como que o sulco onde se lança a semente da regeneração, que o trabalho mo- derado e a fagueira esperança do indulto depois com- pletam.
E se infelizmente por systema tal não se podérem obter os desejados fins, legisle-se de modo a crear mais energicos meios repressivos.
E deixemo-nos de ternuras, repetimos, com a lem- brança dos effeitos do clima. Não ha motivo plausivel para nos enternecermos mais por degradados do que pelos nossos officiaes, membros de magistratura e ou- tros que por lá andam, e diariamente se empregam no serviço do seu paiz.
Acima de tudo está o que propomos, sendo questão secundaria o meio de o conseguir.
“Trata-se de evitar a liberdade contraproducente de
que desfructa o deportado na colonia, liberdade que, dando largas ao vicio, agerava a desmoralisação, es- perdiçando homens que aproveitados poderiam pro- duzir muitissimo; portanto tome-se uma resolução; e aquella que apresentâmos, modificada ou desenvol- vida por individuos mais conhecedores do assumpto, é de todas a que nos parece mais acceitavel. E uma tentativa, e quando nada mais se consiga, ter-se-ha ao menos ganho a certeza de que tarde ou nunca serão colonisaveis as zonas assim trabalhadas e que o europeu dificilmente ali poderá viver.
Na costa oeste 81
A philanthropia quando vae alem de certos limites descamba na loucura.
Eis em breves traços um esboço da cidade de Loan- da, que só aguarda os beneficios da moderna viação para attmgimr a prosperidade que merece, bem como o nosso parecer sobre a questão dos deportados; e agora que o tempo urge, abandonemol-a para, segundo Atlantico afóra, ir até ao porto de Mossamedes.
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Cao
PRIMEIROS PASSOS
O companheiro negro e a sua ingratidão — À corveta Rainha de Por- tugal e a abalada — Porto Pinda— Os areaes e a primeira noite — Ponto de partida e rasões de sua escolha —O homem põe e Deus dispõe — À
primeira marcha e o aspecto do terreno -— Caracteres geologicos— Os habitantes do Coróca e o clique dental — Numeração — Dos trajes e mu- lheres—O adulterio e os funeraes—O boi preto e a circumcisão —Ter- rores gentilicos— Vegetação do Coróca— Fauna ornithologica — Fuga de quarenta e dois homens.
» Ps y um Is
O dia tinha apenas acla- reado; os pri- meiros alvo- res da manhã, mvadindo com a sua luz tenue o es- paço, começavam de deixar perceber os contornos da vasta bahia, que em escuro cordão nos rodeava; as fulgurantes constella- ções do sul, desvanecendo-se, desappareciam no fun-
do ceruleo, quando nós preoceupados nos erguemos.
86 De Angola á contra-costa
Chegára a hora de partir, hora sempre cheia de cui- dados para quem se propõe a qualquer empreza arro- Jada.
O facto de organisar uma expedição africana, e espe- cialmente o momento da sua partida, embora a muitos pareçam objectos de pequena monta, estão bem longe de o ser, repetimol-o mais ama vez.
O companheiro negro, verdadeira gazella voluvel, espirito irrequieto e vicioso, caracter frouxo e em extremo timido, dificilmente comprehendendo as ne- cessarias obrigações a que o liga um contrato, e não acreditando de modo algum nos altos imteresses de questões desta ordem, prepara a todo o momento, com uma inconsciencia, pueril, a sua perda nos mais smgelos actos.
Nada lhe importa depois de engajado e de recebi- dos os adiantamentos; o mesmo volumoso material, cuja organisação auxiliou durante dias, tem para elle um valor secundario, assim como o interesse e o afan que os chefes manifestam pelo lote de artigos que cui- dadosamente prepararam: sendo o seu sonho unico, feitos os avanços, burlar quem lh'os concedeu, e para Isso põe em pratica todos os meios imaginaveis!
E nós, que os conhecemos, tremiamos de antemão.
Engajae a vossa gente em toda a costa, e dae-lhe adiantado quanto exigirem; reuni-os em torno de vós, dispondo tudo para a partida; na vespera desta abri tres ou quatro fardos de algodão, e, rasgando à direita e 4 esquerda, distribui por todos gratuitamente, a fim de os affeiçoardes e prenderdes 4 vossa pessoa; fazei mais, chamae os chefes, e presenteae-os com um fato
Primeiros passos 87
completo, dinheiro, etc.; pois bem, no momento de abalar, desertar-vos-hão em massa metade d'aquelles a quem generosamente recompensastes!
A imgratidão e a perfidia, essas torpes faculdades tão communs nas imtelligencias rudimentares, formam o traço característico do negro.
E não se imagme que jeremiâmos aqui para mais avultar a nossa obra, ou crearmos maior sympathia a esta ordem de trabalhos; de modo algum é essa a idéa, e, sob o ponto de vista da verdade, julgâmo-nos tão felizes e afoitos como todos os nossos predecessores.
Ouçamos sobre o caso Stanley, a quem no Tanga- nika fugiram de uma vez meia centena de homens:
«E á infidelidade dos seus carregadores que se de- vem attribuir os longos rodeios a que Living'stone foi obrigado em sua ultima viagem. Cameron, por sua vez, igualmente perdeu um grande numero de homens,
primeiro no Unyaniembê e depois em Udyii. Eu por.
minha parte sabia, pela experiencia adquirida na pri- meira viagem na África central, que os ba-nguana aproveitariam todas as occasiões para desertar, espe- cialmente na vizinhança dos depositos arabes.
«Foi para restrmgmr o numero destas occasiões que eu deixei o caminho», etc.
Carece assim o explorador de toda a energia e boa vontade para supportar os primeiros revezes e os fre- quentes golpes, e se em tirocimio anterior não conse- gu dominar de algum modo o imdigena nesta qua- dra dos seus trabalhos, póde convencer-se de que
pouco fará, não lhe sendo tambem possivel a convi- vencia com elles,
88 De Angola á contra-costa
Preoccupados, como dissemos, e com rasão, ergue- mo-nos.
Estavamos a bordo da corveta Rainha de Portu- gal, do commando do capitão tenente Guilherme Au- gusto de Brito Capello!, que, surta no porto de Mos- samedes, se aprestava a transportar a expedição por nós capitaneada para Porto Pmda.
Por cima da tolda, em confuso borbormho, agitam- se todos os nossos companheiros de côr, ora escan- carando os ultimos bocejos, ora espreguiçando os membros envolvidos em pannos multicores, com ar de despreoccupados, quando o toque da corneta para a ração da aguardente os arrancou á imconsciente ta- reta.
Rodando a celha, começavam de aquecer os estoma- gos, emquanto no navio as cousas se dispunham, e tão regularmente tudo se fez que, escapando o vapor pelo tubo da descarga ás emco horas e meia, momen- tos depois estava a amarra guarmecida ao cabrestan- te, e, achando-se de seguida postados ao leme e á pru- mada os marinheiros especiaes desse serviço, subia o commandante a ponte trimta minutos depois.
Vira; está a pique; arranca; está a olho; engata o turco, vira ao apparelho; ávante devagar; a estibordo o leme, foram as phrases que se seguiram no meio do silencio de uma manobra de bordo; e, n'um volver de olhos, a elegante corveta, fazendo cabeça para o mar, seguia donairosa a bahia de Mossamedes afóra, e dando a popa a essas areias de monotono aspecto,
1 Irmão de um dos auctores d'este livro.
Primeiros passos 89
botava ao susudoeste parallelamente á costa, cujo cor- dão se distinguia até morrer no sul em ponta avan- cada.
Uma brisa fagueira soprava no mar, que, plano e como que ainda adormecido, mal embalava o navio.
E vaM MUYDENM
RAPAZ CORÓCA (de face)
Sequndo photographia
Subimos.
Era a nossa derradeira viagem pelo oceano n'esta epocha; e, na qualidade de marinheiros, queriamos desfructar o prazer de nos suppor na ponte, encarre- gados de um quarto d'alva.
—— fia 12
ia ao
gor De Angola á contra-costa
É que, apesar de tudo, embora seja duro o viver do homem do mar, mal vae a quem, ao apartar-se por annos d'aquelles paus ao alto, não sente confranger- se-lhe o coração.
O navio é tudo para o marmheiro. Nimho, lar, com- panheiro imseparavel, especie de pedaço solto do paiz natal; lembra-lhe a todo o momento este, acarician- do-o com a idéa de que talvez um dia, arrastado nas azas do vento, para lá o conduza.
Duas longas horas passámos, respirando a largos tragos as frescas brisas d'esse oceano que por tanto tempo íamos esquecer, e do qual nunca suspeitâmos afastar-nos tão contristados, soltando vôos com o pen- samento. |
Ao cabo despertámos; tam já dobradas duas pon- tas, e transposta mais uma bahia, Cabo Negro appa- receu, é logo depois demos vista de Porto Pinda, onde pelas doze horas e meia surgimos no ancoradouro.
Ão avistar os extensos areiaes que o formam e as soltas dunas que para o mterior se alongam, sem o mais singelo signal de vegetação, se exceptuarmos uma lagoa que escoado o rio ali fica e que grupos de. Borassus demarcam, pensámos achar-nos abeirados de um Sahara. Comprimiu-senos o coração à vista de tanta nudez, e embora habituados ao viver do mato, um sentimento desagradavel nos dommou, ao lembrar as fadigas que nos esperavam por meio dºes- ses arelaes estereis.
Como, porém, não vinhamos a Pimda para fazer a smgela experiencia de se — sim ou não — nos agra- dava o panorama que em redor da bahia se desdobra
Primeiros passos oa
nt)
aos olhos do viajante, lançêmos para longe impressões, e no curto espaço de tres horas mandavamos para a terra uma centena de homens e todo o material que nos pertencia.
Estavamos decididamente no Continente Negro, ur- ora proceder á moda do mato.
Foi o que se fez.
Depois de se construir o acampamento numa emi- nencia e de nos certificar que na proxima lagoa havia agua, embora sulphurosa, pozemos tudo em ordem, e bebendo um copo de vinho á saude de Capello, que n'esse dia completava o seu quadragesmo terceiro anno, despedimo-nos dos sympathicos officiaes da cor- veta, que, voltando para o mundo que pensa, nos Jan- cavam um ultimo olhar de amigavel interesse.
Entrára a noite, e recolhendo-nos ás pequenas ten- das fomos buscar-no somno um allívio para as fadigas do dia, emquanto a corveta, fazendo-se ao rumo do norte, desapparecia nas brumas escurecidas.
Profundo socego envolvêra o acampamento. Esta sombria região, destituida de habitadores humanos e apenas visitada pelos corvos, que com o seu grasnar quebram pelo dia o encanto do mutismo natural, e de noite pela hyena e outras feras, cujos habitos se ac- commodam com a solidão perturbando o silencio, tem o quer que seja de tetrica e pavorosa. º
Pelo immenso areal atóra nem a brisa encontrava onde rumorejar, e, fugindo pressurosa em meio das planuras, ía talvez para as arvores longinquas ciciar nas ramagens, em pungentes queixumes, a aridez do deserto!
92 De Angola á contra-costa
E a nossa imaginação, dominada por esta scena, es- candecida pelos calores do dia e cuidados do ámanhã, fugia buliçosa ao somno, atirando-nos irrequieta ás mais estranhas considerações.
Ali estavamos, sós, separados de tudo e todos, es- tranhos aos ruidos do mundo, para dar começo a uma empreza, que nmnguem podia dizer onde nos levaria.
Quando, sem querer o pensamento, como que para nos castigar, fugia até ao Indico, e, perpassando sobre os vastos territorios africanos, lembrava a sua gran- deza, as convulsões que lhe atormentam a superficie, os rIos, os lagos, as luctas emfim que nos esperavam, nós, erguendo meio corpo na bragata, e mirando tudo em redor, sentiamos uma especie de desalento, e cal- culavamos a pequenez das nossas forças.
E que apesar de tudo o homem é um pygmeu, e, embora saiba que pequenos esforços reunidos podem produzir uma grande força, amarga-lhe sempre a no- ção do tempo, aterra-o o convivio d'essa fatal compa- a Incerteza.
nheira em todas as emprezas
Mas prosigamos no que importa.
Por numerosas rasões haviamos escolhido para pon- to de partida Pmda, logar meridional da provmcia, e d'ellas vamos dar aqui rapida idéa.
1.º Sendo de ha muito costume transportar-se a Benguella todo aquelle que deseja transitar para o mterior, acontece que as grandes zonas e cammhos do sul têem sido esquecidos, e os sertões por onde elles cortam mais ou menos ignorados.
2.º Succedendo, em geral, serem os imdividuos que o viajante comsigo leva engajados no norte, o facto
Primeiros passos 93
de transportal-os para o sul parece que devia evitar | deserções. |
3.º A suavidade do clima era uma garantia do suc- cesso, porque, sendo mais gradual a adaptação do eu- ropeu, lhe consente ir mais longe sem o castigo da
febre.
RAPAZ CORÓCA (perfil)
Segundo photographia :
4.º Interessando-nos correr diagonalmente o gran- de districto de Mossamedes, e visitando o Humbe | conhecer do grau de facilidade do percurso até ao Zambeze, anda Pinda ou qualquer ponto no sul nos punha em melhor medida de o fazer.
94 De Angola á contra-costa
5.º Emfim, o reconhecimento do curso do Coróca, e o acertar se este rio tinha ligação com o Cunene, como suppunhamos e se verá pela descripção adian- te, era ammda uma rasão a additar.
Eis o que se acha em nosso diario:
« Muitas imformações nos levam a crer que o ro “Coróca tem pelo sueste uma communicação com algum rio, por damba' ou valla, que em outros tempos dava talvez regular vasão às aguas, e agora se tornou perio- dica por estar em parte obstruida, só dando passagem a esta nas cheias exageradas.
«E; se attentarmos em que toda a zona entre a bahia dos Tigres e o Cunene é constituida por areias soltas, e que os ventos ali predominantes são do susu- doeste, facilmente poderemos comprehender que, jun- tando-se aquellas conduzidas pelo ar ao constante tra- balho das aguas, conseguiriam ao fim de um tempo qualquer embaraçar o curso que primitivamente l- cava o Cunene (?) ao Coróca, fazendo com que este fosse uma das suas embocaduras. Assim se explica-
riam as extraordmarias cheias do ultimo e a falta de aguas na barra do primeiro.»
Por todos estes motivos escolhemos Pimda como ponto inicial da partida, convictos de que ahi, melhor podendo domimar a gente, e resolver os problemas que primeiro mteressavam, maior somma de garantia de exito teriamos para os trabalhos a effectuar-se.
Mas o homem põe e Deus dispõe, diz o popular rtão, e bem verdadeiro é elle por vezes, pois breve vamos
1 Damba, rio cujo curso se conserva secco na estiagem.
Primeiros passos | 95
ver, como, apesar de toda a doçura e perseverança empregadas com o fim de persuadir os nossos com- panheiros a essa submissão que elles desconheciam, mas fatalmente necessaria; apesar de todo o esforço para, sem rigor ou prepotencia, tornal-os de selva- gens em homens, elles, enganando-nos, tudo fam com- promettendo, como expozemos no começo do presente capitulo. j Erguendo-nos com a aurora do dia seguinte, reco- lhemo-nos com o occaso, despendendo o espaço de
tempo que mediou entre os dois phenomenos, com
uma serie de observações astronomicas, magneticas e meteorologicas, a que acrescentámos uma excursão geologico-botanica e um exercicio geral de tiro ao alvo.
Ão terceiro dia abalámos areiaes afóra, em procura da fazenda de S. Bento do Sul, e escorrendo em suor por causa do excessivo calor, ali chegámos ao: anoi- tecer, depois de percorridas 17 longas milhas, pelo leito do rio Coróca, n'esta quadra completamente secco.
O aspecto do paiz conservou-se o mesmo. Eis o que delle podemos dizer: |
Imagme o leitor um vasto terreno pouco alto e for- mado por soltas e dispersas dunas, tendo pelo norte e a partir da costa em 10 milhas de extensão, uma fa- cha arenosa e lisa, que, correndo a leste, constitue o leito de um rio sem gota de agua; acompanhe a banda opposta por mais elevado cordão em todo o dito per- curso, arido e secco como a bacia de que vos fallá- mos: volva, ao cabo das milhas mdicadas, esta ordem de cousas ao rumo de sul; pare no fim de 5 ou 6 mi-
Ê
96 De Angola á contra-costa
lhas junto de umas edificações quadrangulares de ado- be, algumas vermelhas, outras caiadas, assentes como ao acaso sobre o plano esteril que constitue esta re- gião, e terá idéa approximada da terra vista por nós da costa até S. Bento.
Os caracteres geologicos da zona foram ligeiramen- te estudados. Antigo fundo do mar, esta região, co- berta por mteiro, emergiu formando a linha litoral.
Tudo mdica ser uma formação terciaria que a des- coberto se acha na linha da costa n'este parallelo. Á superficie encontra-se um calcareo silicioso, compacto e cinzento, cortado de vinculos de quartzo e silex em- zento atravessado por estes sub-parallelamente, que, representando certos accidentes do mesmo calcareo, se acha disperso em calhaus á superficie do solo e numa altitude de 40 e 50 metros acima do mar.
Este é constituido por grés muito fino argillo-calca- rifero, de côr amarellada (molassa?) e por um calcareo argillo-arenoso compacto, enchendo moldes de Car- dium do typo de Cahians, Brocchi, etc.
Encontra-se um outro duro concrecionado stalacti- tico, com fragmentos de quartzo e pequenos calhaus rolados de quartzite avermelhada; para o mterior é mais amarello e terroso, achando-se empregnado de crystaes de talcite, onde conchas petrificadas foram substituídas por esta, e são dos generos Natica, Nassa, Buceinum ou Eburna e Ostreas, todas de pequena es- tatura; e mais uma outra recente do genero Achatina; e eis quanto sobre o caso podemos dizer.
Os habitantes d'esta pobre zona denommam-se, segundo nos informam, ba-ximba, ba-coróca e ba-
e
Primeiros passos 97
coanhóca, parecendo que estes são descendentes de cubaes, em outro tempo vindos dos Gambos.
À sua simples mspecção e Imguagem evidenciam logo estarmos entre gente que proximas relações de parentesco deve ter com as tribus do sul, isto é, entre
HOMEM CORÓCA (de face)
Segundo photographia
mdividuos d'essa grande familia que alguns auctores designam genericamente por a-bantu, e que compre- hende no-sul os dámara e os ovambo; tem perto os ba-tehuana, e para o oriente o grande grupo ama-zulo
e ama-xoza, assim como a infinidade de tribus do sul q
98 De Angola á contra-costa
e margens do Zambeze. conhecidas por ba-nhungue (Tete), ban-sua (Zumbo), ma-bzite (Landim), ba-tonga, ba-nhiai, ba-zizulo, ba-tóca, ma-chona, ba-senga, ba- rara, ba-rengue, ma-cololo, ba-rounda, ba-gõa, ete.
Um facto muito digno de notar-se n'estes povos é o celebrado clique dental, que eivando-lhes a lim- guagem, estala em todas as suas phrases, fermdo o ouvido do viajante e levando a crer que, embora não seja esta uma variante da Imgua nama ou córa dos habitadores de Namaqua e terras do sul, tem sem em- bargo muitos termos d'ella. À numeração differe tanto das Imnguas do norte, que devemos pol-a aqui para dar uma idéa!.
Smpgelos pastores, raras vezes caçando, fazem con- stituir a sua fortuna em algumas duzias de cabeças de gado. Um sordido panno na emta, um bordão ou za- caia na destra, e um mólho de amuletos, paus e bu- z1os ao pescoço, juntos a fiadas de missanga, consti- tuem a suprema distmeção.
A sua pelle é extremamente retinta, untam com manteiga os cabellos, como os ban-dombe do norte, amassando-os por maneira que o penteado parece uma verdadeira cabaça!
As mulheres, em geral, são horrorosas, aggravando este desfavor da natureza com enfeites de missanga
1 Um (Te'uí). Dois (Tz'ana). Tres (Dato). Quatro (Na). Cinco (Ta- no). Seis (Tyuinho). Sete (Tz'aio). Oito (Sebereto). Nove (Moia). Dez (Mola). Onze (Tr'ui-sôfa). Doze (Te'ui-ana). Treze (Datui'a). Quatorze (Nei'a). Quinze (Tamud'a). Dezeseis (Nemol'a). Dezesete (Tz'ai-nhoba ou Tuai-nhoba). Dezoito (Tz'ui-munho ou Sebereto). Dezenove (Mola- moia). Vinte (Tz'ui-mola).
Primeiros passos | 99
em redor do pescoço e rins, o que lhes dá grotesco aspecto.
Pouca estima parece terem os homens por ellas, ou melhor estão n'estes mteiramente adormecidos os mais elementares sentimentos de dignidade, pois conside- ram o adulterio como um negocio que, se o esposo sus- peita ou tem provas cabaes, não pensa em castigar, mas ao contrario faz volver em seu proveito.
Assim, ao ter noticia do facto, é quem primeiro dá rebate, accusando perante a tribu o individuo que pretende espoliar, o qual, provando-se o crime, paga pelo menos um boi.
O curioso, porém, é que a circumstancia de haver satisfeito esta imposição confere de futuro ao espolia- do o direito de se mtroduzir em casa da sua adorada quantas vezes quizer. De maneira que se apontam esposos, possuindo manadas de gado que as pequeni- nas faltas das levianas companheiras augmentam dia a dia, o qual dariam de bom grado para poderem um momento ter ingresso no proprio domicilio!
Os ba-coróca não sepultam os mortos, contentan- do-se em lançal-os nos vallados, onde as feras têem pela noite o cuidado de os fazer desapparecer.
Logo que um infeliz está para morrer prepara-se tudo na habitação, escolhendo-se dez homens dos mais poóssantes da tribu, para serem empregados na obra do seu afastamento. Estes aguardam o instante em que elle exhale o ultimo suspiro, e quando d'isso se con- vencem, envolvem-no num. panno, que ajustam e amarram, pegando-lhe um dos dez, e abalam por determinado caminho.
100 De Angola á contra-costa
Seguem-no em linha os restantes.
Percorrido um certo espaço de caminho, faz o da frente signal, e o que se lhe segue approxima-se, re- cebendo delle o cadaver, e quem se libertou do fardo, volvendo-lhe as costas, parte a correr desordenada- mente para a retaguarda, não devendo uma só vez voltar os olhos!
Por seu turno o segundo, ao cabo de alguns pas- sos, faz signal ao terceiro, e assim vão successiva- mente até ao ultimo, que, completo o seu caminho, Joga á terra o corpo, safando-se!
Quando o defunto é pessoa de consideração, como, por exemplo, soba, segue-se processo em quasi tudo analogo, differmdo só na cireumstancia de ser este envolvido numa pelle de boi preto, morto para a oe- casião, cuja carne não póde ser comida por pessoa alguma, devendo por isso lançar-se fóra.
E notavel a coincidencia deste proceder com o que diz sir J. Lubbock no Homme avant Phistoire, quando falla do tumulo de Treenhoi, na Jutlandia, e que diz: «onde o guerreiro, envolvido nos seus pannos, se acha encerrado n'uma pelle de boi».
Ao inquirirmos por que devia o boi ser preto, res- ponderam-nos: porque é como o soba; rasão extraordi- naria que nada explica, e nós julgâmos ser preferido por se tornar mais facil adquirir para o rebanho bois d'aquella côr.
Huca ow Suca é tambem designação por elles dada quando imquiridos de como chamam a Deus. Zuaria, que era o mu-coróca interrogado, riu-se quando quize- mos sobre o caso adiantar mais alguma cousa, fazendo
Primeiros passos 101
logo confusão com o sol, demonstrando claramente que a similhante termo não andava ligada idéa alguma so- bre o Creador.
Praticam os ba-coróca a cireumcisão, e o que se tor- na notavel é que a fazem quando já proximos da vi-
HOMEM CORÓCA (perfil)
Segundo photographia
rilidade. Emquanto adolescente conhece-se o não cir- cumciso por uma facha de cabello no alto da cabeça, da nuca á testa, sendo o resto rapado, fórma extrava- gante que só abandonam depois do dia da operação para deixarem inteira a trunfa, que, mvariavelmente
102 De Angola á contra-costa
untada com a já referida manteiga, umas vezes aper- tam com estreita correia por cima das orelhas, outras mettem inteira na pança, limpa e preparada de um boi! |
- É apto o terreno daqui para a cultura do algodão, batata, milho, sorgho, etc., sendo para lamentar que as prolongadas estiagens aniquilem em certos annos os esforços dos agricultores.
Estudo attento das lagoas existentes, assim como um trabalho de reprezas e poços, poderia talvez obviar a parte d'estes males.
À nossa chegada a este logar foi saudada dois dias depois por uma deserção em massa de todos os co- rócas da localidade, e isto pela smgela causa de que, solicitando do soba uns vinte carregadores para nos levarem mantimentos até ao Cunene, este declarou que, nós iriamos certamente morrer, pois nunca pes- soa alguma ali fôra.
Isto foi sufficiente, com uns additamentos que a imaginação gentilica costuma condimentar facilmente com pavores, para que os espiritos dos nossos come- cassem a Incitar-se.
Era infallivel a morte, a seu ver, e radicando-se-lhes no espirito esta convicção, todos viam já o respectivo esqueleto branqueado, marcando no areal uma agonia de mais e uma vida de menos!
Comprehendendo com muito boas rasões que qual- quer demora podia ser-nos nociva, aggravando uma situação já de si tão séria, démos aos nossos o signal de leva-arriba, e, coadjuvados por alguns homens do estimavel proprietario d'ali, o sr. Emygdio de Figuei-
Primeiros passos 103
redo, abalámos rio acima, escrevendo o que se segue em nosso diario:
«O terreno, ao principio plano, torna-se a 3 mi- lhas adiante fragoso, embrenhando-nos por entre pe- nedias recortadas em sentidos diversos e que devem nas chuvas originar uma damba.
«O seu aspecto mdica serem constituidas pelo gneiss e sclusto amphibolico; welwitchias e euphorbias con- stituem a vegetação da terra mais elevada, de envolta com toros de resequido capim, traçado pelo dente dos antilopes, o qual reverdece ás primeiras aguas.
«Na margem do rio uma graminea mais elevada, similhando o Arundo, e uma leguminosa arborescente, Acacia albida, à mistura com esse supposto cedro Ta- mara articulata, entrelaçam os seus ramos à beira da agua, que as depressões represaram, d'onde emergem Hyhpenes. Leões, gazellas como uma de barriga e lombo branco, 4. euchore; antilopes como o galengue, Ore gazella!; o unir, Sterp. cudu, cuja femea des- provida de hastes, tem longas orelhas como o burro, percorrem esta zona á procura de alimento e agua.
«Um macaco, cuja pégada não tem menos de 12 centimetros, de grande cauda e pello fulvo, que sup- pomos ser um eynocephalo, por causa de arremetter, segundo disseram, encontra-se aqui.
«Um pequeno quadrupede, a que os indigenas cha- mam maboque, talvez uma genetta, vive nos penedos, em abundancia. |
! E o galengue na fórma tal como o gemsbok; sómente julgâmol-o diferir um pouco na côr, que é castanha clara.
104 De Angola à contra-costa
«Aves são numerosas, sendo para notar o grande numero e variedade de patos.
«O pato ferrão, Plectropterus gambensis; o pato com- mum, Poecilonetta erythrorhyncha; o Spatulata capen- sis; o Querquedula hottentota; o Thalassiornis leuconota; o Deudorocygna viduata; são outras tantas especies de que nos occorre fallar.
«Vê-se amda o famingo, Phoenicopterus erythrocus o pelicano, que os pretos chamam quicúa, Pel. rufes- cens, com a sua poupa, e a bolsa gutural amarella; pernaltas, especie de garças, Herodias alba e Herodias ntermedia, que associadas andam n'esta epocha; o gallo das pedras, a que os naturaes chamam tiatra, Saxicola leucomelaena-monticola, talvez não conhecido sclentificamente n'esta zona; uma pequena rolla de longa cauda e peito preto, chamada tondul-lo, Oena capensis; um milharuco, Merops superciliosus, de com- prido bico e verde plumagem; emfim, voam tambem aqui os corvos e as pintadas, de que ha duas varieda- des, bem como na costa um corvo marinho, Graculus lucidus.»
Emquanto nós socegados no acampamento, onde ti- nhamos chegado ás cinco horas, escrevendo estas linhas e fechando de manso o diario, nos preparavamos des- cuidosos para a refeição improvisada em curto espaço de tempo, um facto bem grave se dava no couce da co-. mitiva, que amda atrazada pelo tempo não recolhêra.
E, inconscientes, sem de leve suspeitarmos o com- promettimento por que estavam passando nossos inte- resses, ao anoitecer, pelas oito horas, acrescentavamos no diario:
Bi
Primeiros passos 105
«E smgular, faltam quarenta e dois homens com as respectivas cargas, que embora se tivessem atrazado pelas horas de maior calor, já tmham tempo de sobra para chegar. Cansados, não tiveram forças para arras- tar-se até aqui, e, acampando no primeiro logar apro- priado que encontraram, só pela manhã apparecerão.»
Cerrou-se a noite. Estirados, tendo a abobada ce- leste por tecto e uma fogueira por manta, pois as tendas vinham na retaguarda, adormecemos n'aquelle somno consequente da fadiga, e proprio de uma saude sã e robusta, levando de um folego todas as horas do escu- ro. E só quando o sol, com a sua aureola gloriosa, começou de espargir pelos espaços torrentes de luz, animando e enchendo de mil ruidos o ambito enrege- lado, é que nós, descerrando as palpebras, compre- hendemos que urgia levantar.
Durante tres longas horas esperâmos a gente que .
atraz ficára, dominados por aquelle anceio que ator- menta e mortifica quem espera; até que a final resol- vemos mandar em sua procura o chefe e dois homens de mais confiança, ordenando-lhes que sem perda de tempo obrigassem taes mandriões a caminhar.
Bem pouco haviam elles mandriado, ao que parece!
Mais duas horas ainda decorreram; já o sol, abei- rando-se do zemth, escaldava a tudo e a todos com os seus frementes raios, e o natural quebramento nos convidava a repousar 4 sombra de um proximo espi- nheiro, quando subito ruido entre os nossos nos cha- mou a attenção para as bandas do norte.
Tres vultos ao longe avançavam azafamados por meio do areal.
106 | De Angola á contra-costa
Às duvidas que nas ultimas horas tinham domma- do o nosso espirito começavam a fortalecer-se, e um presentimento qualquer nos dizia que se fam tornar em certeza; esperámos amda um momento, approxi- mam-se; já se lhe vêem as caras, todos lhe miram o olhar, com o mtuito de por elle poderem alguma cousa concluir; chegaram.
— Então? onde está a gente?
Fugiu tudo, senhores! No meio do campo jazem os fardos abertos, tendo parte do conteúdo roubado de mistura com caixas partidas, sextantes e theodolitos dispersos. É uma confusão tal, que só á vista podem “apreciar.
ARMA O EL
NA REGIÃO LITORAL
Mossamedes — Breve noticia sobre a historia da sua fundação — Clima, constituição geologica e vegetação — Tribus indigenas — Habitações — Uma marcha vertiginosa — Cincoenta e quatro milhas em vinte e cinco horas — Uma necessaria refeição e o encontro dos fugitivos — De novo no rio Coróca— Noticia sobre este— Suas margens — Fadiga da marcha Uma cheia
A solidão e os animaes silvestres — Regresso a Mossame- des— Partida definitiva para o sertão— À geologia e os odres - O pri- meiro bao-bab— A aridez do paiz e recuas de zebras — A couag-gha? — Depositos de agua — Pedra Pequena — Pedras Grande e Maior — Nestor. o caçador de leões— Uma morte ridicula e uma visita inesperada — À agricultura no districto e a villa de Capangombe — À fortaleza e duas considerações geologicas.
a”
Em 1785, sendo governador geral de
Angola José de Almeida : Vasconcellos, barão de Mossa- a A medes, organisaram-se na capital da provmncia duas expedições, com o proposito de es- tudarem as terras que do districto de Benguela se estendiam para o sul.
À primeira, devendo ser imtentada por mar, foi commettida ao coronel Luiz Candido Cordeiro Pimhei- ro Furtado, que para esse fm recebeu n'um navio equipado e prompto tudo o que podia necessitar.
À segunda, cujo fm era proseguir para as terras do interior e ahi fazer o reconhecimento completo dos sertões do sul, foi confiada a Gregorio José Men-
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des, homem assás conhecido e respeitado na provin- cia.
Partindo em desempenho do serviço que lhes havia sido commettido, proseguiram por mar e terra respe- ctivamente para o sul, mdo encontrar-se na ampla bahia que ao tempo era conhecida pela denominação de Angra do Negro.
Ahi imstallados, e depois de a haverem baptisado com o nome de bahia de Mossamedes, em honra do governador geral, começaram de entabolar relações com os mdigenas, no mtuto de os trazer á submissão e reconhecimento da nossa soberania.
Não julgâmos que tivessem completo exito os tra- balhos desta expedição, aliás tão bem organisada, a qual se assignalou pela lamentavel perda do tenente Sepulveda, do cirurgião do navio de Pinheiro Furtado, e mais dois marimheiros assassmados pelos mdigenas, rasão por que se deu ao rio Bero o nome de rio dos Mortos.
Em todo o caso, -desde essa epocha para cá, os so-. bas do Dombe, do Giraul, do Quipolla e Coróca fica- ram conhecendo os novos senhores da vasta região onde habitavam, e imiciados na forçosa necessulade de se considerarem vassallos do rei de Portugal.
Passaram depois largos annos sem mais se pensar na Angra do Negro, que apenas era visitada por algum baleeiro desgarrado que vmha ali fazer a aguada, até que em 1839, sendo governador de Angola D. Antonio de Noronha, enviou duas novas expedições a Mossa- medes, uma por mar na escuna Izabel Maria, sob o commando do primeiro tenente Pedro Alexandrino da
Na região litoral Topa
Cunha, que mais tarde tambem governou aquella pro- vincia, e-outra por terra, sob a direcção do major Garcia.
Datam d'este tempo os verdadeiros trabalhos para a colonisação e dominio d'aquella região, que, pela sua distancia da capital e arido aspecto talvez, a tmha feito tanto tempo esquecer.
Em 1.840 decidiu-se construir o forte de Ponta Ne- era, assim como se assentaram os fundamentos de uma villa, estabelecendo-se ahi uma feitoria dirigida por dois negociantes Jacomo Filippe Torres e Antonio Joaquim Guimarães, e pouco depois foi esta terra colo- nisada por gente vinda da Madeira e do Brazil, que a 4 de agosto do anno de 1845 n'ella se imstallou definitivamente.
D'ahi para cá Mossamedes tem progredido por ma- neira, que é hoje um dos logares mais pittorescos e im- portantes da costa do oeste.
O seu clima suave e temperado; as brisas que a refrigeram, devidas á influencia da corrente oceanica que vinda do cabo da Boa Esperança parallelamente à costa sob ellas passa; as viçosas hortas que a cir- cumdam, contrastando com a aspereza das encostas e planicies em redor, attrahem ah quantos individuos pretendem restabelecer a saude deteriorada pelos ca- lores do norte, e mostra bem quanto tem podido a vontade d'esse punhado de homens, que, ao entrarem em tal terreno, o encontraram quasi deserto e percor- rido de quando em quando por salteadores. Raras são as febres de grave caracter, apenas as intermitten- tes, quando imunda o Bero, atacam a um ou outro, e
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anda as cephalalgias e conjunctivites são frequentes, como as ophthalmias, derivadas do reverbero da luz nas areias. |
Ácerca da constituição geologica de Mossamedes pouco diremos por se terem perdido parte dos exem- plares que alcançámos n'aquella região, dando isto logar a que ao nosso sabio amigo e distincto geolo- go o sr. Nery Delgado se tornasse impossivel fazer qualquer trabalho proficuo a respeito della.
Eis os unicos elementos que encontrou relativa- mente á bahia de Mossamedes, á costa do sul da ponta do Noronha e á bahia dos Elephantes no norte.
Mossamedes:
Grés calcarifero amarello (molassa), com moldes de bivalvas, provavelmente da epocha terciaria, eviden- ciando o mesmo deposito que nas margens do Coróca, bem como um silex pyromaco.
Ao sul da ponta do Noronha, 150 metros de altitude:
Grés grosseiro amarello de cimento calcareo, pro- vavelmente terciario. Conchas recentes dos generos Lespula, Conus ou Erato, Purpura ou Cancellaria, Fusus? Purpura (subgenero Thalessa), Patella, Caly- ptraca (proxima de U. trochiformis, Grat.), Arca senúilis. Nota-se serem as especies iguaes ás da bahia dos Ele- phantes.
Bahia dos Elephantes, 170 metros de altitude:
Conchas recentes dos generos Phorus, Triton (T. succintum, Lank.) Patella, (duas especies de P. Lusi- tanica, Gmchin e P. corulea Lim), Calyptreea (simi- lhante a O. trochiformis, Grat.), Area senilis, Linn, (Senilia senilis, Gray) e Lespula sps.
Na região litoral 113
De tudo isto se infere a existencia a descoberto aqui, como no Coróca e na bahia dos Elephantes, da formação terciaria, sem que comtudo seja facil precisar a qual das sub-divisões pertence a facha sub-alluvial, onde tambem se encontra uma rocha empregada na construcção, constituida por numerosas bivalvas ci- mentadas por um calcareo, conchas que nos parece- ram ser a Cyrena Cuneiformis, e outra no grés calca- rifero uma Cerithium?
Ao norte da bahia dos Elephantes no Dombe está a descoberto o terreno cretaceo, que se estende até Novo Redondo, onde parece existir a hulha e abun- dantes mmas de chumbo.
O que porém se nota de original é o grande nume- ro de calhaus rolados que encontrâmos a 150 e 160 metros de altura, por toda a parte, uns de calcareo silicioso, outros de textura porphirica, etc., e que, recentemente trabalhados, parecem evidenciar, ou um sublevamento assás recente, ou uma lenta elevação de toda a facha da costa, que de resto os colonos d'ah testemunham, mostrando o logar onde outr'ora desem- barcaram, e que hoje está a 15 metros das maiores marés.
Outra circumstancia digna de toda a attenção é a seguinte. Trabalhando-se na perfuração de um poço em Mossamedes, encontrou-se, á profundidade de 3 metros, um dente. Trazido para a Europa, este pare- ceu fóra de toda a duvida ter pertencido a um hippo- pótamo pequeno.
À presença de tal quadrupede em similhante lo-
gar, onde não existe rio de vulto, e só a 180 milhas 8
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se encontra o Cunene, parece indicar que n'uma epo- cha não mui distante desaguava na bahia um grande rio, que mais tarde desappareceu por circumstancias quaesquer.
Não ousâmos aventar theorias sobre o caso; mas, segundo presumimos, similhante facto confirma, até certo ponto, o sublevamento da terra, que póde ter originado um desvio, se não desseccamento do refe- rido leito, do mesmo modo que vae tornando agora apenas torrencial o curso dos existentes como o Co- róca, lete:
Ficam expostas estas indicações, para que mais tarde alguem trate de aproveital-as, não abandonan- do hós a idéa de que a costa oeste da Africa, como a occidental da America, estão lentamente emergindo do seio do oceano que as banha. |
A vegetação n'esta zona é extremamente rachitica e feia, fazendo em tudo lembrar a parte septentrional do deserto de Kalahari, essa extensa região que, vindo encontrar o mar na costa da terra de Namaqua e no paiz dos dámaras, se prolonga para o norte a for- mar parte do districto de Mossamedes, como diz o lustre botanico o sr. conde de Ficalho.
Assm como da Dangoena e do Solle para o mar, atravessa o rio Cunene areias ou fachas rochosas aridas, despidas de fertil vegetação, e amda para o norte, como vimos em nossa viagem, o Coróca, es- trebuxando no apertado leito cavado nas ravinas das rochas gmeissicas, sempre cobertas de franzma ver- dura, vem espraiar-se abaixo nos areaes e desertos de Pinda; assim estas terras correm para o norte, entre
Ni região litoral 115
o mar e a serra de Chella, até as alturas do Bum- bo, com identico aspecto.
Adiante, funde-se gradualmente na vegetação mais rica do districto de Benguella, emquanto pelo lado do oriente, e 4 medida que a altitude vae augmentando, se transforma na flora variadissima da Humpata e da Huilla.
Este caracter phytographico, acrescenta amda o dis- tincto botanico, manifesta-se claramente na presença de algumas fórmas typicas, como são a Welwitschia mirabilis, a Copaifera mopané, e especies espinhosas de acacia, a Horrida e outras, etc.
Nos Montes Negros, nos primeiros contrafortes da Chella e mesmo na Huilla, subindo para ali pelo lado do rio Caculovar, os espinheiros são frequentes e va- riados, formando florestas baixas ou matos mais ou me- nos raros, attestando a evidencia de uma zona arida, que por aquella altura vem terminar.
Uma rasteira euphorbia abunda nas planuras em redor, que os habitantes colhem para com ella alimen tarem o fogo, bem como uma acacia minuscula.
Acelimam-se todos os vegetaes da Europa, como hoje é sabido, e desde a oliveira até á videira tudo ali progride.
Ha quatro tribus indigenas que povoam: esta região, a saber: os quipóllas (mini-quipólias, assim chamados), que residem pelo Valle dos Cavalleiros; os giraues, que se acham estabelecidos nas margens do rio d'este nome; os corócas, com quem já fizemos conhecimento
no rio assim designado, e os ba-cuisso nas rochas do litoral.
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Duas destas são sem duvida descendentes da gran- de familia dos cubaes, que se acha estabelecida n'este parallelo desde o mar até aos socalcos da Chella, e mesmo acima para o sul do Hoque; as duas outras, ba-coróca e ba-cuisso, provém certamente das terras meridionaes, por terem grandes traços de similhança com os novos dali, etc., até mesmo no seu clique espe- cial e em outras affinidades, como já dissemos.
Pendem para a vida pastoril, alimentam-se muito de leite, que, quando cugulado e azedo, denominam n'gunde.
As suas habitações são miseraveis e sordidas, bas- tando-lhes o tronco de uma especie de carrapateiro com os seus pequenos ramos, para que construam uma cu- bata.
Espetada a prumo no solo, curvam os ramos meno- res em roda, e, prendendo-os ao chão, cobrem-os com um pouco de capim, revestindo o todo com o excre- mento de boi.
Um pequeno buraco dá passagem para esses reem- tos, mais parecendo a fórma de forno do que habita- ção de gente. |
Supersticiosos em extremo, fallando tambem do celebre Huco (ente supremo ?), têem o conhecido pavor pela lembrança dos mortos, e uma grande veneração pelo gado vaccum.
Achámo-nos em Mossamedes!, após as peripecias narradas no capitulo antecedente, onde nos trouxe
1 Esta viagem foi feita por um de nós, Ivens, emquanto o outro, Ca- pello, ficou com a comitiva e material.
Na região litoral 117
uma marcha forçada de 54 milhas, percorridas em vinte e cinco horas, quanta era a distancia que me- deava entre o ultimo acampamento do Coróca e esta villa, cuja cifra, mais eloquentemente que uma des- cripção extensa, dará a medida da nossa angustia e sofirimentos.
Felizmente para nós achava-se o governador geral ali, e ao ver-nos entrar pela residencia, estafado, sujo, com ar mais de salteador do que de pacato peoneiro da sciencia, não pôde conter uma exclamação de es- panto:
— Que foi, que ventos contrarios o trazem por aqui, onde não tencionava volver?
— O adiantarmo-nos a quarenta e dois homens nos- sos que fugiram, e devem a esta hora vir a caminho deste logar, respondemos com voz cavernosa.
E como nos dispozessemos a encetar a descripção do revez que nos acontecêra, elle cortou rapido, dizen- do: « Deixe-se disso; como o negocio é só de gente, tem bom remedio»; e insinuando-nos graciosamente que para os males moraes a sciencia recommenda ás vezes as consolações physicas, ordenou que nos des- sem de comer, principal necessidade no momento.
E bem verdade era! Desde as nove horas da ves- pera o nosso estomago recebêra apenas a visita de umas tristes sardinhas de Nantes; que se ajuize pois o prazer experimentado após a ingestão da primeira travessa de bifes, porque... foi mais de uma que nós com certeza devorámos; e julgue-se da grandeza do nosso reconhecimento, ou melhor o do estomago, para com tal bemfeitor!
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Apenas nos achámos installados em Mossamedes, realisaram-se as nossas previsões, apparecendo no dia immediato o primeiro grupo de fugitivos.
Errando pelas aridas campinas do sul, vinham es- farmados e sequiosos os miseraveis, e tanto soffreram no pouco tempo decorrido, que lá haviam marcado o rastro da sua passagem com os cadaveres de dois companheiros mortos pela fadiga.
Prevenidos do seu apparecimento n'uma praia pro- xima, tivemos de pôr em execução mais um rasgo audacioso, qual foi o de montar um macho folgado, para lhes saír ao encontro, facto que, para pessimos cavalleiros como nós, não deixou de nos embaraçar seriamente.
Balouçando-nos como se estiveramos em plena tol- da de navio sob o impulso de tempestuoso mar, para lá nos dirigimos, e pouco a pouco, reunindo os que em redor appareciam, conseguimos alcançar metade d'elles, tendo os restantes desapparecido.
A idéa de fazer caminho pelo rio Coróca com a nossa gente estava demonstrada impraticavel, urgindo procurar outro qualquer trilho, que lhes não inspirasse tão graves receios.
Após diversas considerações de chã philosophia, de- cidimos pelo da Huilla, não abrindo comtudo mão da idéa de pelo menos fazer um pequeno reconhecimento áquelle rio.
Volvendo de novo a S. Bento, preparou-se para isso uma pequena expedição, com poucos dos nossos de mais confiança, a fim de ver até que ponto seria possivel a fallada ligação do Coróca com o Cunene,
Na região litoral os
expedição que em seis dias de pesquizas volveu, ha- vendo concluido e visto o seguinte:
O Coróca é um rio torrencial, intermittente, impe- tuoso nas grandes cheias, cujas origens estão nas ver- tentes da Chella, e cujo curso nada de commum póde ter com o Cunene, que lhe fica para o sul.
O seu leito, de 50 a 60 metros como media, ergue- se rapidamente, sendo curioso na parte mais inferior o contraste das terras que o margmam, pois é a mar- gem esquerda formada por dunas de areia solta, e a do norte por terras elevadas, archaicas, de feio aspe- cto, constituídas em geral pelo gneiss e schisto am- phibolico.
A 30 milhas acima da embocadura cessa a areia da margem meridional, junto ao curso de uma damba, denominada dos Carneiros, cujo leito superior ao do rio só recebe d'elle agua por trasbordo em grandes enchentes, agua que, demorada em poços, deixa por evaporação coberto o lodo de efflorescencias de nitrato de soda.
O seu curso é de encontro á corrente do rio, o que evidenceia um canal de derivação d'este e nunca um afluente que ali trouxesse as aguas do Cunene.
A montante do ponto citado, começam as margens a accidentar-se de mais em mais, e, erguendo-se e caíndo, formam depois ravinas em todos os sentidos.
Torna-se então a marcha para o viajante n'uma fadiga permanente, pois, obrigado a caminhar pelas encostas que deitam sobre o rio, tropeça e resvala a todo o mstante, quebrando-se-lhe o corpo com os es- forços de equilibrio.
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120 De Angola á contra-costa
- Que diga o meu companheiro Guilherme Capelo, distincto commandante da corveta que a Mossamedes nos transportou, quão amargo lhe foi aquelle primeiro tirocimio de explorador pelas encostas das serranias do Coróca sob um sol de escaldar, a despeito de toda a sua boa vontade!
Como fossemos avançando dia a dia pelo curso do rio, antegostando a idéa de fazer um quasi completo reconhecimento do seu serpear, aprouve ao acaso im- pedir-nos o caminho com um embaraço, que nos dissi- pou totalmente a satisfação de tal conseguir.
Era ao alvorecer do terceiro dia. À aurora, desdo- brando o seu luminoso manto, começára de aclarar as terras em redor; uma brisa fresca, rociando-nos, re- temperava o animo, convidando a marchar; acabava de se erguer o acampamento, íamos partir, quando de subito, um ruido inesperado atroa os ares, rola o quer que seja perto de nós, um rumorejar estranho adianta- se em meio d'esta balburdia, uma exclamação unanime sauda emfim a causa originaria do mesperado pheno- meno!
N'uma curva do rio e a montante de nós, uma vaga espumante barra-lhe o curso de lado a lado, e galgan- do enfurecida por meio de penhascos e accidentes, es- padana aqui, salta acolá, espraiando-se ligeira pelo leito abaixo.
É um phenomeno curioso o d'essas enchentes tor- renciaes aqui, onde a agua com a sua presença anima e vivifica tudo em poucos mstantes.
- Até então, um silencio sepulchral nos envolvia, e o curso do rio secco e emmaranhado entre as rochas nuas
Na região litoral 121
e tisnadas que o apertam, mal deixa suspeitar ao via- jante a sua existencia.
Agora, cheio, entumecido, elevando-se a olhos vistos pelas margens que se alongam, absorvendo penhascos e ravinas, palpita a formidavel arteria, engrossada e resplandecente à luz do sol, e lá vae como longa fita a caminho do oceano, murmurando em todo o traje- cto. Foi como que magica operação, esse subito trans- formar de uma zona nua, secca e calada, em fresca, vivificante e ruidosa.
Penedias e accidentes do fundo, tudo desappareceu, o humido lençol estira-se-lhes por cima; e nós, que até então, descendo por vezes para o seu leito, evitava- mos trabalhos e marcha pelas encostas, somos agora forçados a caminhar sempre por ellas.
Não foram muito longe os nossos esforços, porque, estreitando-se pouco a pouco as margens, que pro- gressivamente fam tambem subindo, chegámos a uma garganta apertada, cujas paredes talhadas a pique formam um vortice onde o rio redemomha furioso, e que foi impossivel transpor.
Forçados a pôr ponto na excursão, volvemos, dando ao sexto dia entrada em S. Bento.
Pouco temos a acrescentar sobre esta região, quasi esteril e alheia a factos de scientifico aproveitamento. Uma das facies sem duvida mais caracteristicas della, e que não tem seguramente outra comparavel na pro- vincia, é o estado de isolamento em que se acha.
Entrando, após meia duzia de leguas de marcha, parece que o viajante se afastou para os mais recon- ditos sertões do Negro Continente.
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122 De Angola á contra-costa
Nem ser humano, nem a marca da passagem do homem numa cabana ou em singela canoa de casca.
Apenas alguns ba-ximba nomadas por ahi ás vezes se aventuram, como deprehendemos de um tronco queimado que encontrámos e por uns circulos de pe- dras, talvez sepulturas, dispostas á feição dos cromle- chs, nas proximidades da garganta de que fallâmos; onde, sem embargo de muitas excavações, não en- contráâmos despojos, e isto nos levou a crer que, se para tal fim al foram collocadas, era cireumdando o cada- ver que as aves e feras devoraram, se não ao lado que o depunham, segundo o nascente ou poente, como já no Senegal se encontrou. |
Em compensação, e em virtude deste isolamento, abundam os animaes silvestres, tendo encontrado a expedição constantes imdicios da passagem de nume- rosos elephantes, de rhmocerontes, de leões, de leo- pardos, de galengues e de ungiris; e, facto notavel, acham-se estes animaes distribuidos nas margens com rigorosa precisão. Assim nos areaes vê-se o Orgya ga- zella, esse antilope que tanto resiste 4 séde, e outros, percorrendo-os em todos os sentidos; emquanto que nas serranias têem guarida o leão e as outras feras de que fallâmos.
Só basta que o rei das selvas transponha o rio para encontrar fartos recursos entre os mfelizes rumi- nantes que por lá divagam, e cujas brancas ossadas evidenceiam a miudo ao viajante uma agonia muda e uma lucta pela vida.
É tempo de terminar a descripção d'essa triste zona do silencio, a fim de volver para o caminho sertanejo.
Na região litoral 128
Reunidos todos os elementos dispersos da expedi- ção, assentámos de novo os nossos arraiaes em Mos- samedes, e, tendo tudo prompto, preparámos a mar- cha, repetindo-se as mesmas fastidiosas scenas por que haviamos passado no norte.
Estavamos decididamente agarrados ao oceano, e elle, de que com tanta saudade nos tinhamos separado, começava agora com a sua presença a impressionar- nos de modo desagradavel, fazendo nascer em nosso espirito suspeitas de que estaria escripto no livro do destino o nosso impossivel apartamento.
Os prejuizos que, impondo-se ao espirito, o domi- nam ás vezes, de sorte que se torna difficil libertal-o, são sempre causas attendiveis que urge prevenir.
Procedemos com urgencia aos arranjos indispensa- veis, preparando tudo no curto espaço de uma semana.
À nossa partida teve logar a 24 de abril.
Depois de imvariaveis peripecias, eis-nos de novo a caminho do imterior, e, bifurcados nos bois-cavallos, despedimo-nos do oceano pela segunda vez.
Transpostas as hortas e jardins dependencia da villa, entrâmos na estrada de Capangombe, que, ele- vando-se gradualmente, se desenrola smuosa para o mterior, atravez dos terrenos terciarios formados de rochas inconsistentes, como o melasso que afiloreia o terreno, o marne, etc., para logo encontrar como succedaneos e interpostos entre elles e os primordiaes, os secundarios do quaderstein, terminados no plano inferior pela formação laurenciana do gneiss amphi- bolico, que aqui é ainda separado das formações se- dimentares por uma facha de schisto primitivo.
124 De Angola á contra-costa
Impressionam de modo desagradavel as primeiras jornadas atravez d'essas terras aridas, onde apenas vegetam rachiticas acacias ou euphorbias, que, entris- tecidas sob um sol abrazador, parecem esperar uma trovoada que lhes desembarace os estomatos da poeira accumulada, e lhes restabeleça a respiração, trazen- do-lhes á seiva a vivificante agua.
Por toda a parte, a perder de vista, emergem da terra morros de gmeiss, que os musgos e o tempo téem manchado com negras tintas, e os raios do sol fenderam com profundos sulcos.
Entre os factos de digna menção, figura sem du- vida o que se refere a uma original planta, conhecida pelos odres.
Depois de transposto o curso do rio Giraul, sobe-se uma rampa da estrada, e adiante, no planalto supe- r1or de schistos primitivos, entra-se na planura, onde aquelles em silencio aguardam do viajante as excla- mações de espanto.
À um tronco rasteiro e tortuoso de folhas largas, duras e resistentes prende-se o celebrado fructo, cuja fórma e aspecto é inteiramente como o de um odre de pelle de cabrito. O mais atilado odreiro tomal- os-ia, quando suspensos entre outros, por obra de mão de mestre, e só se desenganaria ao apreciar-lhe o peso.
Encontrámos aqui o primeiro bao-bab a uma alti- tude proximamente de 500 metros, e como n'um local chamado Pedra Maior não houvesse sufficiente agua, proseguimos a caminho de outro chamada Pedra Pe- quena. |
Na região litoral “125
Tem tão mediocre interesse esta parte da viagem, que vamos proseguir, transcrevendo na integra o que em nosso diario se acha exarado.
«Dia 25 de abril.. |
« Prosegue o trilho pela mesma maneira e aspecto,
“só com a singela variante ao apparecimento de um ge-
nero de cogumelo branco volumoso, que, aqui e alem, corta a arida monotonia. |
« Desappareceram os odres; leguminosas de espinho arborescentes, com a copa á feição de uma umbella, acompanham o viajante ao longo do trilho.
«Facto notavel e digno de menção! À vida vertebra- da minuscula (se isso se póde dizer para o caso) é por aqui escassa ou raramente representada. As mesmas aves quasi desappareceram, e os reptis, esses atrevi- dos habitadores de quantas penedias e tractos aridos de terreno existem no mundo, tambem al se não ob- servam.
«Ao caír do dia acampámos na Pedra Pequena, bloc de gneiss cavado a meio, onde a agua existente era em tão pouca quantidade, que a nossa gente a es- gotou ao anoitecer.
« Grandes bandos ou recuas de zebras foram obser- vadas, bem como nos affirmam que algumas eram bran- cas, o que nos levou a suppor seriam couagghas.
«Defronta-nos a leste uma região inteiramente se- meada de morros. »
«Dia 26 de abril.
«Ao alvorecer poz-se a caravana a caminho; 3 milhas adiante o trilho enfia por entre os cerros de que hontem fallámos, verdadeiras massas, ou de grés
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ou de gneiss, à mistura com penedias de schistos mi- caceos, etc. |
« Vae variando o remo vegetal, que pouco a pouco se torna mais opulento, fazendo lembrar uma zona por nós atravessada em a nossa primeira viagem do Dombe para Quillengues. Falham os espinheiros, ap- parecem acacias differentes, papilionaceas, algumas erythrinas de vermelhos cachos e outras.
«O remo animal vae guardando similhante propor- ção, sendo já numerosas as especies de aves que nos distrahem com alegres gorgeios.
«Ás nove horas da manhã chegámos a Pedra Gran- de, que, como as anteriores, não passa de ser um aflo- ramento de gneiss com amplas depressões ou vasios a meio, onde se accumula a agua da chuva, coberta lt- teralmente pela alfacinha, que julgâmos ser a Psistia | stratiotes. | o recurso dos ban-dombe e viajantes em transito para o interior, bem como das feras e anti- lopes. |
«Abunda o leão n'esta terra, observando-se por toda a parte restos de suas presas.
« Começa precisamente aqui a apparecer essa arvore denominada mutiate, uma Bauhinia, segundo pensá- mos, ao passo que vão desapparecendo as legummo- sas de espinho,
«Gazellas numerosas percorrem a planura, assim como bastos reptis habitam quantos buracos se en- contram nos penedos circumvizinhos, e um cágado minusculo, na agua.
« Desappareceu o galengue, apparecem em bandos os ungiris. Montados nos bois proseguimos em nossa
Na regiiio litoral 12%
viagem para a Pedra Providencia, aonde chegámos pelas duas horas da tarde.
«Agrada já o aspecto do paiz. Um manto de ver- dura cobre ao longe a terra, dando-lhe um ar de ale- gria e vida. »
«Dia 27 de abril.
« Percorremos durante esta jornada toda a distan- cia que vae da Pedra Providencia á fazenda Nas- cente, na margem do rio Muninho.
«E seu proprietario um cavalheiro chamado Nestor, afamado caçador de leões, que até á presente data tem, ao que se diz, livrado a zona que habita de vinte e seis destes ferozes animaes. |
«Entre varias peripecias succedidas a este senhor (que têem sido muitas, pondo por vezes em risco a vida desse segundo Gerard), ouvimos narrar uma, que pelo ridiculo merece apontar-se.
«Versa sobre uma partida de caça ao leão.
« Succedeu um dia Nestor ser atacado em sua pro- pria casa por atrevido leão que lhe farejava o curral. “Saíndo ao cercado, attrahido pelo barulho da gente, topou de frente com o animal, que, vendo-o, mvestiu.
«O recurso do bravo homem foi ir recuando para o compartimento que servia de casa de jantar, cuja porta se achava aberta, e onde sabia ter as suas ar- mas. Tendo por felicidade um candieiro acceso, sal- vou-o na surpreza, pois, batendo de frente no leão ao atirar-se, o fez estacar.
«Lançando mão da carabina, apontou e fez fogo. O animal, ao sentir-se ferido, saltou desnorteado, pe- netrando ao acaso pela porta da cozinha, cujas caça-
128 — De Angola à contra-costa
rolas e panellas n'um momento poz na mais comple- ta confusão! |
«Revolvendo tudo, saltava em todas as direcções, até que de uma vez com grande arranco enfiou a cabeça por entre as travessas de uma mesa de cozinha, e ahi acabou entalado, mais vilmente que o seu congenere da fabula!
«Esta accidentada região é dividida do noroeste ao sueste pelo rio Muninho, em cujas margens se acham | as plantações, compostas exclusivamente de algodoei- ros, unico artigo de exportação, e milho, que se apro- veita só como mantimento, segundo nos informaram, para os trabalhadores.
«E notavel que os agricultores de Mossamedes, os quaes com tanto afan buscam engajar gente e tão caro a pagam, estejam hoje quasi reduzidos a plantar mantimentos para essa gente.
« Com a baixa do algodão abalaram-se as suas espe- ranças, e ainda se o mantimento podesse ser enviado à costa, para lá ser vendido, bom seria, mas, na opinião delles, sendo isso impossivel (e nós o acreditâmos), em virtude da exagerada despeza nos carretos, não é facil perceber o que esperam.
«Assim, essas grandes propriedades do interior do districto estão hoje quasi só produzindo milho, que os serviçaes cultivam, e elles mesmo comem, e isto quando as chuvas são regulares, aliás o agricultor tem de caíi na mão dos especuladores do litoral.
«A situação agricola n'esta parte da provincia é pouco prospera, e um estudo no sentido de conseguir agua permanente n'esta terra é de urgencia fazer-se,
Na região litoral 129
estudo que não parece muito dificil, pois por muitos logares nesta importante terra nos forneceram escla-
UM ENORME LEÃO APPROXIMOU-SE
recimentos da provavel existencia de agua, e de nume-
rosas nascentes que poderiam talvez aproveitar-se.» p)
130 De Angola á contra-costa «Dia 28 de abril.
« Considera-se hoje dia de descanso para a gente. Fizeram-se variadas observações. Deu-se pela noite um facto original.
« Como estivessemos exhauridos de mantimentos, abatemos um boi, que veiu para junto das nossas ten- das, e ahi foi esfolado.
«Ficára, como é natural, uma basta porção de san- gue, que, pelo adiantado da hora, se não pensou em limpar. Entra o escuro, socega a gente.
« Seriam perto das duas horas, dormia tudo a somno solto e no mais sepulchral silencio, quando visita mes- perada penetrou no campo.
« Um enorme leão approximou-se, deu ingresso, e, dirigindo-se ás poças de sangue, lambeu-o com toda a placidez.
«O mais notavel, porém, foi um dos moleques, que dormia junto ás nossas barracas, despertou, mas teve tamanho terror, que se conservou immovel, não dando o menor signal.
«Era muito grande, senhor, dizia elle, e ao abalar ta atirando com a tenda a terra, porque tropeçou nas cordas que pelos lados a seguram!
« Estranha crise devia ser a nossa, se no momento de retirar-se tal visita nos cáe a habitação, deixando- nos entontecidos e abraçados com um animal d'aquella Jaia!»
Abandonando o diario, prosigamos.
No intuito de nos mternarmos rapidamente, partimos com o findar do mez de abril a caminho de Capan- gombe, por meio de uma floresta de espinheiros que
Na região litoral 1a
logo adiante se nos deparou, dardejados por sol de 40º centigrados. |
Ao longe via-se, entre os socalcos da Chella, er- guer-se um morro colossal denominado Cha-Malundo, do qual nos pretendiamos approximar, cortando por meio das plantações.
Capangombe, logar chefe do concelho do Bumbo, está assente n'uma planicie pouco pittoresca, que en- costando por leste ao socalco das asperas serranias, recebe em baixo quanta agua espadana pelas ravinas Vaquellas.
A meio está a vasta fortaleza, protectora deste lo- gar, a cuja escolha não presidiu o bom senso.
Existem varias plantações, sendo apenas recommen- davel o algodão, de que já se exportam cerca de trinta mil arrobas. À |
Termimam aqui as terras mferiores com uma alti- tude media de 555 metros no sopé das aprumadas en- costas do planalto, cuja altura e