-oo
.o
CO
o
■o
■CO
CO j|
Mendes dos Remédios, Joaquim
Escritoras doutros tempos
Subsídios para o estudo da História da Literatura Portuguesa
XVI
ESCRITORAS . DOUTROS TEMPOS
EXTRATOS DAS OBRAS
DE VIOLANTE DO CEO, MARIA DO CEO
E MADALENA DA GLORIA
Com revisão e prefácio de Mendes dos Remédios
LVME
COIMBRA "
FTiANÇA GAMADO -EDITOll 1914
f\
ESCRITORAS DOUTROS TEMPOS
Composto e impresso na^Typographia França Amado, Rua Ferreira Borges, n5 — Coimbra.
Subsídios para o estudo da História da Literatura Portuguesa
XVI
ESCRITORAS DOUTROS TEMPOS
EXTRATOS DAS OBRAS
DE VIOLANTE DO CEO, MARIA DO CEO
E MADALENA DA GLORIA
Com revisão e prefácio de Mendes dos Remédios
lvmemV
COIMBRA
FINANÇA qAMADO - EDITOII 1914
fWR 1 I t968
y/53
A QUEM LER
Um dos capítulos menos bem conhecidos ou, não sei se devera dizer, quase inteiramente desconhecidos, da nossa história literária e bibliográfica é o que se refere às tendências avassaladoras e predominantes dum misticismo religioso, alto, vago, indeciso, arrastando como que num torvelinho, onde facilmente se não divisam os objectos, muitas inteligências per- feitas e robustas.
Quase sempre o sentimento que domina quem se abeira desse ramo literário é o enfado e o aborrecimento. Escritas em espanhol, sem base humana que as corporalize e perfume, as obras que representam essas tendências dam a impressão do vazio, da sonoridade oca de palavras e nada mais.
O primeiro sentimento é, pois, afasta las, esquecê-las, pô las inteiramente de lado e até, se a ocasião se oferecer propícia, lançá-las sem dó nem piedade á fome devoradora do fogo.
Entretanto se se conseguir dominar este natural assomo de tédio, se um pensamento persistente de estudo e de meditação triunfar da cómoda inclinação, que nos leva a repelir tudo o que nos mortifica ou simplesmente nos
VI Escritoras doutros tempos
não agrada, a fortuna quer muitas vezes com- pensar nos deparando nos fartos motivos de inteira satisfação, de completo júbilo, de deli- cioso gozo espiritual.
Das cinzas esquecidas e frias levanta-se, ao toque de varinha da nossa imaginação, uma faúlha pequenina, etérea e luminosa, restos duma alma que ardeu em inspiração sublime. Por deante de nós perpassam sombras de mon- jas envoltas nos seus veos brancos murmurando orações, figuras esbeltas umas, radiantes ainda de todo o perfume da mocidade, outras já maceradas e tristes aioelhadas a mais de meio dos degraos dos túmulos, onde tranquilamente dormirão o sono eterno. Pobres molheres, todas simpáticas nas suas crenças, nas suas ilusÕis, nos seus sonhos !
Os escritos delas atraíram-me sempre e é com respeito, ia dizer, com piedade, que folheio as páginas esquecidas de tantos livros hoje perdidos nos desvãos escuros das bibliotecas, sem mão amiga que os tateie, sem olhos bené- volos que os contemplem. Ha lá dentro almas que sofreram e se torturaram por um ideal inapreensivel, que elas tomaram como seu guia e sua estrela do norte. Viajaram neste mundo aflitas, cercadas de torturas físicas e morais, em demanda duma Jerusalém celeste, com os olhos sempre postos ao longe, insensíveis aos espinhos que lhes dilaceravam os pés.
Quem sabe, de resto, que amargo sofrimento da vida as lançou nesse caminho obrigando-as a ir pedir ao silencio e ao refúgio dum claustro a paz e o doce conforto, que cá fora o mundo impenitente e descaroavel lhes negou ?
As minhas divagações por essa literatura morta tinham-me de há muito deparado um nome que me prendera a atenção — o de
A quem lêr VII
Maria do Ceo, que quase em todas as suas obras aparece com o criptónimo de Marina Clemência.
Ha nomes sugestivos e quando eles se ligam a situações sociais que por si despertam igual-- mente vária matéria de ponderações, já suaves, já dolorosas, há aí mais um élo misterioso e indefinível, sem dúvida, mas nem por isso menos verdadeiro, nem menos imperioso, que nos obriga a pensar, a meditar neles.
O nome de Maria do Ceo anda associado a um outro, que representa igualmente uma ilus- tre figura de molher e de escritora, a sua con- temporânea Madalena da Gloria ou como nas letras é conhecida, Leonarda Gil da Gama.
Para um confronto que decerto ocorreria a quem percorresse esta nossa pequenina cole- ctânea um outro nome acudia immediatamente à memória — o de Violante do Ceo, das três a melhor conhecida, senão a única, pelo menos, em nossos dias. Tal foi a génese deste volu- minho da minha colecção — Subsídios para o estudo da historia da literatura portuguesa — enfeixar num só ramalhete algumas das flores esquisitas que estes três talentos femininos pro- duziram. « Escritoras doutros tempos » poderia englobar maior número de trechos quer em prosa, quer em verso, mas quis excluir em princípio a lingoa espanhola e nessa língoa estão redigidas exclusivamente as obras de muitas das nossas escritoras do século a que pertencem as das três autoras de que nos ocupamos. Apenas fiz excepção para dous trechos capactensticos e só duma delas.
Por outro lado os vicios duma tendência literária, como era o cultismo, estenderam-se larga e profundamente, inutilizando quase por completo a inspiração que de si era vigorosa
VIII Escritoras doutros tempos
muitas vezes e até pujante, sempre, porém, mais ou menos monótona. Dai a restrição da escolha.
Que pena que se esterilizassem tantos e tam formosos talentos femininos nessas paragens para onde as arrastou Luís de Gongora, o « génio raro e sem segundo », como o ape- lidou Cervantes !
António dos Reis no seu Enthusiasmus Poe- ticus dedicado a D. João V deante do grande número de molheres que ilustraram a Litera- tura portuguesa exclama :
Nec muliebre genus deerat, nam pluriraa Mentis Femina, mixta choro ÍVlusarum, excelsa tenebat.
e não querendo deixá-las esquecidas, vai con- cisa mas eloquentemente apontando os nomes de muitas, como
Laura Mauricia, criptónimo de D Leonor de Meneses, condessa de Serem e de Atouguia, autora de El desdeíiado mas firme, novela em prosa e verso, Lisboa. lóOD.
D. Beaíri^ da Silva e Sousa, de Torres- Novas, autora de comédias e livros ascéticos, que A. dos Reis declara não ter podido ver.
Bernarda Ferreira de Lacerda, a autora da Hespaíia libertada, i.* p. 1618, 2.'' 1673 e das Soledades do Buçaco, 1634 e do Ca:^ador dei Cielo, Comedia de S. Eustachio e outras que ficaram inéditas.
Maria de Mesquita Pimentel, da ordem de S. Bento, autora da Infância de Cristo e Triunfo do Dwino Amor, Lisboa^i 1639.
D. Mariana de Luna, de Coimbra, que escreveu o Ramilhete de flores á felicidade deste Reino na sua milagrosa restauração, Lisboa, 1642.
A quem ler IX
Cecilia do Espirito Santo, da Ordem de S. Francisco, que deixou : Colloquios com Cristo crucijicado de hum peccador arrepen- dido, Lisboa, 1688.
D. Joana, Condessa da Ericeira, mãi do D. Francisco Xavier de Meneses, o ilustre Conde do mesmo nome, a qual publicou sob o criptónimo de Apolinário de Almada: Desper- tador dei alma ai sueno de la vida, Lisboa, 1695.
Helena da Silva, da Ordem de S. Bernardo no Mosteiro de Celas de Coimbra, autora de La Passion de Cristo nueslro Seíior.
Joana Magdalena de Castro, de Lisboa, Isabel de Castro e Andrade, contemporânea de Luís de Camões ; D. Helena da Pa-^, S<>ror Antónia de S. Caetano; Paula de Sá e enfim Isabel Corrêa, autora de El Pastor Fido em verso Espanol, Amsterdam, onde viveu, 1692.
A serie é, como se vê, extensa e abre por Joana Va^
Vasia prima sedet Lysiae clarissimus Aulae Splendor, operta comas lauri viridante corona.
Nem podiam ficar esquecidos os nomes de Violante do Ceo e de Maria do Ceo, como abaixo veremos, faltando o de Madalena da Gloria, que por qualquer circunstância lhe não ocorreu.
X Escritoras doutros tempos
VIOLANTE DO CEO
O elogio que a esta escritora consagrou no seu Enthusiasmus Poeíicus António dos Reis é como segue :
. . .Uranies lateri comes assidet Urhis Splendor Ulysseae, celebris Violantia, Coeli Delicium, terraeque .simui, qua dulcius ille, Qui tulit auritos scopulos in moenia plectro, Non Cfcinii ; crines laefis^ima turba sororum Candenti cinxere rosa ; primnmque vocari Non decimam, Montis statuerunt ordine Musam.
versos que na tradução de Sousa Caria dizem :
O lado de Urania afermosea
O esplendor da cidade de Uiyssea,
A celehre Violante,
A delicia do Oo, da terra o gosto ;
Não cantou mais suave ou elegante
Que ebte feliz composto,
EsSH que na erecção dos muros ledos.
Fez do seu plectro ouvintes os penedos.
Contente a hela turba sonorosa,
Os cabellos lhe ornou de branca rosa,
Determinando a aclame a voz ligeira.
Decima Musa não, mas a primeira (i).
Não extranhe o leitor tam hiperbólicos concei- tos. Em latim ou em português, em espanhol ou em italiano, as palavras tinham nessa época
(i) Cfr. Imagens conccituosas dos Eptgrammas do R P M Antomo dos Rcys traduzidas do metro latino ao metro lusitano Rpflexoens sobre algumas das suas arguctas que em dous tomos offerece ao Ex."" Senhor Dom Jayme, . . João de Sousa Cana, Lisboa Occiden- tal, MDCcxxxi. Ctr. o n." 27o.
A quem ler XI
perdido um pouco do seu equilíbrio natural e guindavam-se a altura donde mal se avistava a realidade das cousas. E de ver o que na dedicatória Ao Excellentissimo Senhor Dom Vasco Luís de Gama, Conde da Vidigueira, Almirante da índia. . etc, que abre o vol. das Rimas Varias, escreve o seu autor Dom Lionardo de São Joseph. « Este livro da melhor pena com que voou híía Águia de Portugal, decima Musa da Espanha ( titulo que lhe dá o comú aplauso) que por mandado de Vossa Excelência sai á luz, para maior luzimento seu, busca a de V. Ex* a cujo esplendor tributa adorações todo o Parnaso ». O bom do capelão do Conde Almirante não perdia o seu tempo, como se vê. Levara de Portugal o original das Rimas, que a sua curio- sidade lograra adquirir, e influíra na sua publi- cação, que se fez em Ruão em 1646, junto do ilustre fidalgo que servia. Daí as palavras louvaminheiras e aduladoras que é justo se lhe descontem em troca do seu amor pela poesia, simbolizada nesta decima Musa a quem tam- bém se dirige em verso deste quilate :
Sois por estilo excellentf ( O' peregrina Violante ! ) Na prosa tam elegante Quanto no verso eloquente Admire-se toda a gente Suspenda se o pensamento De ver tam raro portento
Eram a moda, estas saudações. Não se podia falar dum escritor, que tivesse alcan- çado tal ou qual nome, que não se lhe despe- jasse em cima toda a cornucópia das mais odoríferas flores... de retórica.
Xn Escritoras doutros tempos
Violante do Cco assim procedera com Antó- nio de Sousa de Macedo (Rimas, pag. i8), com Manoel Severim de Faria ( Ibid., pag. 20), com D. Bernarda Ferreira de Lacerda (Ibid., pag. 33), com o P. António Vieira (Ibid., pag. 74), com Manoel Mendes de Barbuda c Vasconcelos (Parnaso, pag. 63 ) e com muitos outros.
Que admira que lhe retribuissem idênticos, senão maiores louvores, dado o prestigio do sexo e do inegável talento que ela possuía ?
Violante do Ceo nasceu em Lisboa a 3o de maio de 1602; professou no convento de N. S.* da Rosa da mesma cidade o Instituto Dominicano a 29 de agosto de i63o e morreu em 38 de janeiro de 1693 com 91 anos, 8 meses, menos dous dias de idade. Foram seus pais Manoel da bilveira Montesino e D. Elena Franco. Estes os elementos biográ- ficos que se colhem nos autores, não porém com a individuação que dou e encontrei num velho manuscrito do antigo convento de Santa Cruz, de Coimbra.
Que mais poderiam dizer-nos ?
Aberia a porta do claustro cessavam em regra as aventuras do mundo..
A entrada no convento inspirou-lhe este lindo
SONETO
Escarmentada nó, mas prevenida Del peligro mayor el passo alexo Bien que de inspiracion, no de consexo A tan justo retiro persuadida.
Oh nó permittais vós que arrepentida Los ojos buelva más a lo que dejo Pues otro ya, Senor, femineo sexo Por bolver á mirar quedo sin vida.
A quem lêr XIII
Firme la vista pues los rayos siga De vuestro claro sol, si acaso puede Aquila buelto amor, Uegar a tanto..
Y quando el alma el passo no prosiga Decretad vós, Senor, que ai punto quede Sino mudada en sal, desecha en Uanto.
Parnaso, 44.
• A sua convicção é profunda, a sua vontade Hvre. No Solilóquio que cantou no dia em que havia de fazer a sua profissão, rendida e humilhada exclama :
Que puedo yo, Senor mio Dizir en esta occasion
Oh quanto os devo en querer-me De mis anos en la flôr !
Parnaso, 274.
Esta abnegação da vontade, esta absorpção da vida no pensamento eterno só dominam mais tarde perdidos os últimos ecos do amor terrestre, humano. A este consagra ainda vá- rias poesias, filhas dum desvairamento mistico- amoroso, que podem muito bem ter interpreta- ção diferente da que lhe dá Costa e Silva (i). Esses arrôbos de sentimento doentio sam frequentes nas escritoras do mesmo género. Violante do Ceo sabe bem que algumas vezes a sua musa se deleitou noutros amores dife- rentes daqueles a que renunciara por completo e disso se mostra arrependida.
Si escrevi, si cante de objeto humano, Y no solo de vós. Divino objeto, En la publicidad de tal defeto Bien castigado está mi error profano.
(i) Ensaio biografico-critico, vol. 8.», pag. 66.
XIV Escritoras doutros tempos
Julgado el próprio affecto por liviano, Hor aver explicado a^eno affecio, Quiep duda, que es casiigo dei respeto Que preferi talvez ai soberano !
Parkaso, pag. 3.
Dessas poesias profanas vão adiante algumas amostras, poucas decerto para a nossa curiosi- dade, mas as bastantes para se avaliar da facilidade da inspinçáo, da naturalidade e do gosto da sua autora. E' de crer que Violante do Ceo jivesse feito o que fez Frei Agostinho da Cruz, podendo dizer como ele
Os versos que cantei importunado Da mocidade cega a quem segura Queimai ( como vergonha me pedia ) Chorando por haver tam mal cantado.
A sua musa encontra o lenitivo apropriado nos assuntos de caracter místico, absorvida num ideal de perfeição sempre desejável, sem- pre inatingível. Por vezes a sua musa c patriótica e saúda os heróis da grandeza épica de Nun' Alvares como neste soneto, mspirado no seu epitáfio, que neste momento histórico consola recordar :
Yaze en el alto tumulo, que miras, Para exemplar de excelsas calidades, Quanta virtude dixeron las verdades. Quanto valor fingieron las mentiras.
Tu que suspenso, ó passagero, admiras En tan breve lugar immensidades, Sabe, que ha de viver eternidades Este, que ves en marmoles y pyras.
Pêro si la virtud, la fuerça, y brio Deste Varon en todo sin segundo Ignora tu razon, duda tu zelo,
A quem lêr XV
Mira su vida. y que dirás confio.
Que se bien supo conquistar el mundo,
No supo menos conquistar el cielo.
As produçõis de Violante do Geo deviam de ser numerosas, porque ela própria confessa a sua natural inclinação para a poesia « aun en la nines », dizendo não ter tido mestre, mas somente a lição de livros e pedindo, por isso, o perdão dos seus defeitos
Sin arte, sin caudal, sin eloquência
Quien puede averque en su favor presuma í
Parnaso, 74.
Eis a resenha bibliográfica :
1 — " Rimas Varias de la Madre Soror Violante dei Cielo, religiosa en el monasterio de la Rosa de Lisboa. Dedicados ai Exelentishimo ( sic J Senor Conde Almi- rante y por su mandado, sacnd^is a luz » En Ruan en la enprenta de Maurry, mdcxlvi, 8.° de i6-|-ibo pags.
2 — « Solilóquios para antes e depois da commu- nhão ». Lisboa, por João da Costa, 1608. 24.°, Ibid , por António Rodrigues de Abreu, 1674, 12.". São cmco romances.
3 — « Oitavas a Nossa Senhora da Conceição com applauso da victoria de Montes Claros em 17 de junho de i665 ». Lisboa, por António Craesbeeck de Mello, i665, 4.» de 7 pags.
4 — « Meditações de Missa, e preparações affectuo- sas de sua alma devota ». Lisboa, sem o nome do impressor, 1689, 16.", Ibid., por Bernardo da Costa, 1728.
5 — « Parnaso Lusitano de divinos, e humanos ver- sos compostos pela Madre Soror Violante do Ceo, religiosa dominica no convento da Rosa de Lisboa, dedicado á Senhora Sorfir Violante do Ceo religiosa no convento de Santa Manha de Lisboa ». Lisboa Occidental. Na officina de Miguel Rodrigues impressor
\VI Escritoras doutros tempos
do Senhor Patriarca, mdccxxxiii, a vots. Diz o Editor Miguel Rodrigues na dedicatória do livro á homónima da autora VioUnte do Ceo, igualmente religiosa, mas noutro convento da Capital «...me anim<íy a honrar esta edição com dedicar a V. M. as ditas Poesias para que, com tam grande patrocinio, e livres do esqueci- mento, a que já estavam condenadas, respirem ».
Garcia Peres no Catalogo Ra^onado, 107, cita mais :
— « Santa Engracia ». Comedia. E informa o Esta fué entre todas las que se presentaron ai Senado de Lisboa. Ia escogida para representarse en las hestas que se hicieron por la venida de Felipe 111 á dicha cíudad •.
— « Carta á la Duquesa de Medinaceli ». Ms., 4.", 54 fls. existente na Bibl. Nac. de Lisboa. P. 2, 28.
MARIA DO CEO
O nome desta distintíssima escritora está hoje pouco menos que esquecido, sendo ela aliás digna da maior simpatia. E como não tê-la por uma creatura singular e previlegiada, ela que nos seus livros se consegue elevar aos paramos da verdadeira inspiração escrevendo o verso com profundo sentimento e a prosa com a maior correcção e harmonia ?
Maria do Ceo viveu na segunda metade do sec. xvíi e primeira do* xviii e professou no Instituto Seráfico, no convento da Esperança em Lisboa, quando tinha apenas 18 anos.
Isto significa que por grande que fosse o seu merecimento impossível lhe seria o libertar-se inteiramente do jugo do meio em que a sua actividade e vida se desenrolavam.
A quem lêr XVII
A mais funesta dessas consequências fatais do meio é a adopção da lingoa espanhola, era que está escrita a maior parte dos seus livros. Com a iingoa o estilo, esse estilo, que é um verdadeiro tortulho literário, túmido, inchado, balofo, a que não poderam. porém, escapar as melhores inteligências da época, nem mesmo esse portentoso artista da palavra que foi o P. António Vieira e acerca do qual Maria do Ceo lindamente soube dizer « que das conchas mais toscas sabia tirar as pérolas mais finas ».
E que poderia exigir se a uma senhora amor- talhada tam nova nos hábitos de freira e que foi duas vezes abadessa do seu mosteiro, outra vez porteira, outra vez mestra de noviças, e portanto e sempre até se extinguir a sua vida de nonagenaria — nascida em 1 1 de setembro de 1668 morreu a 28 de maio de lySS quando contava 74 anos, 8 meses e 17 dias — inter- nada em clausura e na evidencia de responsa- bilidades graves e várias, que poderia exigir-se a uma senhora em tais condições senão que o seu pensamento contínuo se perdesse nos arrô- bos do misticismo mais acendrado ? Mas não são só lirios e açucenas que florescem nos jardins de Soror Maria do Ceo, também o cravo de tons cantantes e triunfais floresce ao lado da violeta doce e perfumada, como pode ver-se nos exemplares que damos.
Maria do Ceo foi filha de D. Catarina de Távora, filha terceira de D. Antão de Almada e de D. Isabel da Silva, e de António de Eça de Castro e, escreve Barbosa Machado, « irmã gémea doutra tão semelhante na figura e juizo que somente as vozes e os nomes desenganam
b
XVIII Escritoras doutros tempos
a equjvocacão dos olhos *. O douto abade de Sever elogia-lhe o estudo, a suavidade das vozes, a delicadeza dos pensamentos (i). Da mesma sorte D. António Caetano de Sousa lhe chama a mui entendida c discreta, de admirável engenho, galante estilo, discrição c agudeza d (2).
O Enihusiasmo Poético celebra-a devida- mente :
Sedula Musarum viridanti fronde Marinam Turba coronabat, Pharioque e sanguine cretae Virginis eximias celebraniem carmine laudes Audire ut possit, reliquis non adjicit aures (3).
que o já referido Sousa Caria traduziu :
Prompta turba das Musas coroava
De loureiro a Marina, que cantava
O applauso extraordinário
Da Virgem, que gerou o alento Phazio
E por ouvir-lhe a voz, que ao Pindo entrega
Aos acentos das mais a attenção nega (4).
E na nota respectiva António dos Reis des- vendava o criptónimo Marina Clemência, que se dizia Religiosa de S. Fraticisco no Convento da Ilha de S. Miguel pondo o verdadeiro nome Maria do Céo, que em varias obras apa- rece como Religiosa e duas ve^es Abadessa do Religiosissimo Mosteiro da Esperança de Lisboa Occidental.
Parece ter sido o autor do Enihusiasmo quem primeiro desvendou o fácil mistério, pois não era de crer que este se conservasse
(i) Bibl, Lusit., s. V,
(2) Hist Gen., x, 636-637.
(3) Loc cit., sob o n.» 280.
(4) Obr. cit., n.» 280.
A quem lêr XIX
por muito tempo escondido, tratando-se de creatura de raros méritos conhecida na Corte àiêm da altivez do pensamento, pela prosápia da ascendência. O rebuço do nome serve apenas de tema a maiores elogios dos panegi- ristas. Assim discreteia D. António Caetano de Sousa na Aprovação que precede A Pre- ciosa: « desta mesma Religiosa temos já imprensa em elegante estilo a vida da prodi- giosa Virgem e Mártir Santa Catarina, que bem mostra ser uma e outra produção do mesmo engenho. E se o nome não fora dife- rente o estilo me obrigava a afirmar que estas obras eram de outra Religiosa da mesma Ordem não Insulana, mas Lusitana, a qual por não mortificar a sua modéstia, tão reves- tida de humildade, não devo nomear, inda que o seu exemplar modo de vida a faz tão conhe- cida na Corte pela pessoa, como estimada pela virtude. Porém ainda que não seja teme- rário o juizo, devo conhecer esta obra pelo nome, que modestamente se lhe pôs; e é pêra sentir fiquem sepultadas outras muitas obras, que escreveu esta muito religiosa Madre ».
O mesmo assevera D. José Barbosa, que reviu o livro em nome do Ordinário: « ...Já por ordem do Desembargo do Paço vi ha alguns annos a Vida de Santa Catharina com o nome desta mesma Religiosa ; e admirado de eloquência tão casta e de tão elevados pen- samentos achei que o nome era suposto, mas que a obra era mui natural do entendimento e da discrição da sua Autora verdadeira. Nâa padeci agora este engano, porque a sua pro- funda modéstia desculpa esta aí!ectada suppo- sição. Pouco importa que se queira ocultar, se o mesmo segredo que pretende lho está estragando a elevação do seu juizo. Não
XX Escritora» doutros tempos
podem subir tão alto as que a natureza aba- teu com a inferioridade do seu nascimento; e por isso a Aurora satisfazendo natural, mas involuntariamente ao ilustre do seu berço, dis- corre com voos tão altos, que parecem de aguia ».
Em todas as licenças, fossem do Santo Ofi- cio, do Paço ou do Ordinário, se lhe tecem idênticos elogios. « As suas idéas são» altas, diz um dos seus juizes a propósito do Triunfo do Rosário, o estilo harmonioso, os conceitos profundos, as metáforas próprias, as alegorias solidas, as expressões graves, a frase magss- tosa \ enfim tudo quanto tenho visto dessa Religiosa autora acredita a Nação, de que Vossa Majestade é pai e a Santa Província de que ela é filha ; e nisto digo tudo a Vossa Majestade e lhe faço a ela todo o seu elogio ».
E terminava julgando o livro « não só digno da luz da estampa, senão também merecedor de ter o melhor logar nas douradas estantes da Real Biblioteca de V. Majestade, e de andar sempre nas suas reais mãos, assim como andavam as obras de Homero nas mãos de Alexandre o Grande ».
Por infelicidade o livro é todo escrito em espanhol e um dos mais eivados do gongo- rismo, tanto do apreço dos contemporâneos da sua talentosa e distintíssima autora.
Para outro Qualificador ela é t assombro do sexo feminino, inveja do masculino, e admira- ção de ambos » (Obras Varias), e aconselha a que se lhe roubem os originais dos seus tra- balhos visto não haver outra forma de forçar a sua modéstia: «...resolvo aconselhar que será licito roubarihe este inestimável tesouro, pois a sua modéstia nos quer roubar os seus escriptos ocultando no recato da sua cella os
A quem ler XXI
monstruosos partos do seu talento, que excede ao mais varonil. . . ».
De parceria com estes exagerados encómios caminha a Approvação do P. M. Boaventura de S. Gião Qualificador do Santo Oficio que precede o vol. i.° de ^ Preciosa, que « ou he maravilha da graça, ou prodígio da natureza, porque na matéria e na forma excede a aprehensão humana ». E ainda: « o estilo áureo, aliiloco, discretíssimo e tão lacónico, que cada palavra é um conceito, cada termo um pensamento, cada periodo uma sentença, será lido com admiração, aplaudido e bem aceito este livro pela singularidade da idéa, relevância do argumento e erudição do dis- curso ; e com maior razão sendo produto de uma inteligência daquele sexo, que não está em uso seguir as Escolas e professar as letras. . . ».
Tem Maria do Ceo direito a estes encómios ?
Descontando o que neles ha de natural exa- gero, de resto facilmente explicável, a resposta não pode deixar de ser afirmativa.
Mais do que em Violante do Ceo a sua musa é maviosa, evocando, por vezes, uma suavidade e um perfume autenticamente quinhentistas. Além dos extractos que vão na nossa colecção vejam-se mais exemplos como esta linda pas- toral
Montanheza, que fostes á fonte
( orno suspeito, Que trouxestes agua nos olhos
fogo no peito. Quem te trocou no caminho, Serrana dos olhos negros ? Pois te conheço só hoje Pelo que te desconheço ?
Como suspeito Que encontrastes teus cuidados A roubar-te taes assocegos ?
XXII Escritoras doutros tempos
Se das pedras te fíastes Ouvi-lo d'elas espero Porque em segredo de amor Nem as pedras t5m segredo.
Como suspeito Que o que fiaste das pedras, Hão de romper os penedos. Se emmudeces suspirando Sabidos são teus excessos Que pedir segredo ao ar E' querer prender o vento.
Como suspeito Que has de dizer a suspiros O que guardaste a silencio. Se dás teu mal a teu pranto Olha, que em tantos disvellos O fiar-te do cristal E' fazer claro o mistério.
Como suspeito Que pelo cristal do pranto Te hão de ver os pensamentos. Se o coração tens fendo Declara seus sentimentos, Pois não ha peito serrado Onde ha coração aberto.
Como suspeito, Que doente o coração Grite o mal pelo remédio Montanheza que fôsies á fonte
Como suspeito Que trouxestes a agoa nos olhos
Fogo no peno (i).
Quem assim escrevia não tinha decerto so- mente os olhos no ideal cristão.
A sua alma prendia-se ainda á terra, quem sabe se por algum cruel desengano. Quetn sabe? Quando Maria do Ceo deixou as vai- dades do mundo, os seus prazeres, as suas glorias, os seus triunfos, quem sabe que espi- nhos então a dilaceraram, acordando agora somente no amargo sentimento da saudade ?
(I) Cfr. A Preciosa, vol. i.«, i85.
A quem ler XXIII
Numa parte dum dos seus livros fala ela das glórias do amor e com que firmeza e com que subtil análise 1
Glorias de amor, glorias de amor
Al viento, ai viento, pues dei viento sois.
E assim define o amor: « E uma aspiração que vive por fogo e acaba por ar; é um ai que vive por alento e morre por suspiro; é uma mentira que vive duvida e acaba desengano; é um fingimento que dura força e acaba trage- dia ; é um delírio que vive desmaio e passa a acidente ; é um velar de olhos cerrados ; é um cuidado de corações adormecidos ; uma fé de idolatras ; uma idolatria de infiéis. Se este é, pois, o amor que faz estas glorias, quais serão as glorias do amor? » (i).
Nas suas poesias espanholas ha também, como se verá adeante, alguns espécimes inte- ressantes, como ainda este :
Silencio, silencio, aves Callen vuestras vozes hoy Que duefno para la vida Despierta para el amor. Dexen-me dormir. No me acuerden, no.
Blandos zephiros, sociego En vuestro aliento veloz Que no es bien se atreva el ayre Quando le oprime el ardor. Dexín-me dormir, No me acuerden, no.
Passito, passito, afTectos Quedo, que adveriiros voy
(i) A Preciosa, vol. i.% pag. i63.
XXIV Escritoras doutros tempos
Que a los silêncios dei alma No hade osar ni el coraçon.
Dexen-me dormir,
No me acuerden, no.
Ardientes suspiros, passo, Advertid que vozes sois
Y si calla el pensamiento. Gomo puedo osar la voz ?
Dexen-me dormir. No me acuerden, no.
Callad que duermo segura,
Y iiunque sin sentido estoy Yo diera ioda la vida
Por toda la suspen>ion. Dexen-me dormir, No me acuerden, no.
Silencio, aves ; silencio, fieras : silencio, rios ; Silencio, aires ; silencio, flores; silencio, amor. No giema fiera, no llore fuente. no cante nmfa, No í>' pie viento, no mueva hoja, no alienie flor, '^.)ue de amor en los silêncios Hasta el silencio es rumor (i).
Eis agora a parte bibliográfica :
1 — o A Phenix appa^ecida na vida, morte, sepul- tura e milngres da gloriosa Sancta Catharina, com sua novena e peregrinasão ao Sinay ». Lisboa, na Officina Deslnndesiana, 1715, 8°.
2 — «A Preciosa. Allegoria mora! offerecida á Ex- cellentissima Senhora D Maria Anna das Estrellas, Religiosa no Mosteiro da Esperança de Lisboa, e publi- cada por D Jayme de la Te e Sagau. Cavalleiro da Ordem de São Tiago Sua Authora a Madre Marina Clemência Religiosa de São Francisco no Mosteiro da Ilha de S Miguel » Lisboa Occidental Na Officina da Musica. Anno de MDCCXXXI, 8 % de XXX -+- 355 -f 4 no fim innum
(i) Enganos do Bosque, pag. 140.
A quem lêr XXV
3 — «A Preciosa. Obras de misericórdia em primo- rosos e mysticos diaJogos expostas : Elogios dos San- tos em vários cantos poéticos e históricos expendidos por Marina Clemência, Religiosa de S Francisco no Convento da Ilha de S Miguel ; mandados á impressão, e ofFerecidos á Mãy Santíssima do Carmo Maria Senhora Nossa, por Sylvano das Ondas. Segunda Parte »- Lis- boa Occidental, na Officina de Musica. MDCGXXXIII.
4 — n Obras varias e admiráveis da M. R. Madre Maria do Ceo. . dadas ao prelo pelo zelo, e diligencia do P. Francisco da Costa, do habito de S Pedro ». Lisboa Occidental Na Offic de Manoel Fernandes da Costa, impressor do Santho Officio. Anno de MDCCXXXV, 8.», XII + i57 pgs.
Garcia Peres, no Catálogo Ra^onado men- ciona com o mesmo titulo
— « Obras varias y admirables de la Madre Maria do Ceo... Corregidas de los muchos defectos de la edi- cion portuguesa, é ilustradas com breves notas por el Doctor D Kernando de Seitién Calderon de la Barca ( pseudónimo dei P Florez ) y dedicadas á la Excma. Sra Duquesa de Mcdína-Coeh ». Madrid, por António Marin, 174.1, 2 tomos, 8.».
5 — « Aves illustradas em avisos para as Religiosas servirem os officios dos seus Mosteiros Sua verdadeira Autora a M R. M. M.tria do Ceo. Religiosa, e duas vezes Abbadessa do religiosíssimo Mosteiro da Esperança de Lisboa Occidental da Provinda de Portugal Dado ao prelo por diligencia de Joseph Francisco de Balu- ceato, natural da anfga Escócia, e catholico romano ». Lisboa Occidental Na Officina de Miguel Rodrigues, impressor do Senhor Patriarca. MDCCXXXIV.
6 — « Triumpho do Rosário repartido em sinco autos do mesmo, muito devotos e divertidos pelas sin- gulares idéas, com que os compoz a muito reverenda Madre Mana do Ceo. . . dado a estampa pelo costumado zelo, com que já mandou imprimir os outros tomos o P. Francisco da Costa, do habito de S. Pedro ; e á sua custa ». Lisboa, por Miguel Manescal da Costa, 1740, 8.".
XXVI Escritoras doutros tempos
Consta de cinco autos com os seguintes títulos :
I." — La flor de las finesas, pags. i a 58.
2." — Rosal de Mjria, pags. 59 a 122.
3.** — Perla y rosal, pags i23 a 181.
4" — Las rosas com las espigas, pags 182 a 23o.
5.» — Três redenciones dei nombre, pags. 23 1 a 287.
São todos em castelhano.
7 — « Enganos do Bosque, Dezenganos do Rio. em que a alma entra perdida, e sahe dezenganada. Com outras muitas obras varias, e admiráveis, todos por sua verdiídeira Au»ora a M R. Madre Soror Maria do Ceo, Religiosa, e duas vezes Abhadessa do Religiosissimo Mosteiro da E^perançn de Lisboa Occidental da Provin- cia de Portugal. Dados á estampa pelo zelo e diligen- cia do P. Francisco da Costa, do habito de S. Pedro ». Lisboa Occidental. Na Officina de Manoel Fernan- des ua C"Sta, impressor do S<nto Officio. Anno de MD'.CXXXV1. Innoc, Dicc Bibl. VI, 137 cita uma ed. de 1741. por António Isidoro da Fonseca.
Ficaram inéditos e podem considerar-se per- didos três autos a S. Aleixo com os titulos :
I ." — Mayor finesa de amor.
1.* — Amor y fé
3." — Las Lagrimas de Roma.
E as três comédias :
I.' — En la cara va la fecha
2." — Preguntarlo á tas estrellas.
3.* — En la mas escura noche.
A quem lêr XXVII
MADALENA DA GLORIA
D. Madalena da Glória ou D. Maria Mada- lena Eufemia da Gloria era natural de Sintra onde nasceu em 1 1 de maio de 1672. Professou no Convento da Esperança em 25 de março de 1688, segundo diz Innoc. (i), ou em 1690, conforme escreve Cyrillo Volkmar Machado (2) que àlêm de escritora a menciona como tendo pintado « vários painéis para uma capela sua ».
Todos os seus livros foram publicados sob o anagrama de Leonarda Gil da Gama^ a que acrescentava « Natural da Serra de Cintra » e sam :
— « Astro Brilhante em novo mundo, fragrante flor do Paraíso plantada no jardim da America, historia panegyrica e vida prodigiosa da S ta Rosa de S-t" viária, ofFerecida á Santissima Virgem do Rosário escrita por D Leonarda Gil da G «ma, natural da Serra de Cintra ». Lisboa 0'cident-il, na Officina de Pedro Ferreira Anno MDC< -XXXIII, 8». XVI — 335 pags.
— « Novena de Sancta Rosa de Santa Mana ». Lis- boa, nã Oííicina da Musica, 1734, S ».
— « Brados do Desengano contra o profundo sono do esquecimento Em ires historias exemplares para melhor conhecer-se o pouco, que durão as vaidades do mundo, e poder das divinas inspiraçoens escritas por Leonarda Gil da Gama. natural da Serra de Cintra •. I Parte Lisboa, na Officma de Domingos Rodiigues, anno de MD(X:XLIX II Parte, ibid, na Officma de Musica, MDCCXXXIX.
— « Orbe Celeste adornado de brilhantes estrelas e dois ramilhetes : hum colhido pela consideração, outro pelo divertimento Dedicado á ilustríssima Senhora D. Joana Tereza de Noronha de Nápoles. Autora Leo-
(i) Dicc Bibl , V, 344.
(2) Collecção de Memorias, 42.
XXVIII Escritoras doutros tempos
narda Gil da Gama » Lisboa. Na Officina de Pedro Ferreira. Anno MD .CXLIl
— n Aguia real ou phenix abrasado, pelicano amante. Historia penepyrica e vida prodigiosa do inclyto patriír- cHh Suncto Agostinho «. Lisboa, na Oíficma Pmheiriense da Musica. 1744. 4.° de LXIV — 345 pags.
— « Reino da Babylonia ganhado pelas armas do Empyreo : discurso moral escrito por Leonarda Gil da Gama, natural da Serra de Cintra. Òflerecido ao Senhor Francisco Pereira da Silva ». Lisboa, na Officma de Pedro Ferreira, MlJC(.XI-IX, de 38 -f- 296 pags. com gravs algumas assinadas por Debrie.
Que diremos de Madalena da Glória, alma dotada de verdadeiro talento como as suas contemporâneas ? Ha numa das suas interes- santes composições espanholas uma passagem curiosa. E' a que intitulou Baile e em que são figuras o Amor, duas Damas, o Apetite e doi.s Galantes.
O Amor entra vestido de pobre e encostado á al)ava :
El Amor soy, que he llegado A tal pobreza, que pido. Por sustentar nu decoro, Limosna. como mendigo. Hay quien quiera limosna Dar ai dios Cupido ?
e acaba por confessar-se, em coro com as outras personagens, digno só de despreso e esquecimento. Diz ele :
Quien en Amor confia
Que premio espera
Si el Amor es eng no, mentira, y quimera? Todos — Engano, mentira y quimera ( Uançan)
Apetito ( Canta ) — Tiene en pecho de nino Alma de fiera
Queel Amore^ engano,mentira,yquimera. Todos — Engano, mentira, y quimera ( Dançan)
I.» Dama ( Canta J — Solo en las falsedades oy persevera
A quem ler XXIX
Que el Amor es engano, mentira, V quimera. Todos — Engano, mentira y quimera ( Dançan )
1." HoMBRE — En sus mudanças siempre Ver se pudiera Queel Amor es engano, mentira, y quimera. Todos — Engano, mentira, y quimera. (Dançan)
a.» Dama — Sin arco. y sin carcaz
Ver-te quisitra ; Queel Amor esengíino, mentira, y quimera. Todos — Engano, mentira, y quimera. ( Dançan)
2." HoMBRE — Las saetas que apunta
Siempre las verra Queel Amor es engano, mentira, y quimera. Todos — Engano, mentira, y quimera. ( Dançan y
acaban). (i).
Não seria a repetição deste estribilho o eco longínquo de desilusõis perdidas, a vingança dum coração viuvo para sempre de fagueiras esperanças, agora na tortura duma saudade dolorosa ?
Mendes dos Remédios.
(i) Brados do Desengano, 2." Parte, pags. 87-93,
ESCRITORAS DOUTROS TEMPOS
POESIAS
DE
Soror Violante do Ceo
SONETOS
Amor, se uma mudança imaginada, E já com tal rigor minha homicida, Que será se passar de ser temida A ser, como temida, averiguada ?
Se só por ser de mim tam receada, Com dura execução me tira a vida, Que fará se chegar a ser sabida ? Que fará se passar de sospeitada ?
Porém se já me mata, sendo incerta, Somente imaginá-la e presumi-la. Claro está (pois da vida o fio corta),
Que me fará despois, quando for certa — Ou tornar a viver, para senti-la, Ou senti-la também despois de morta.
Soror Violante do Ceo
II
Se era brando o rigor, firme a mudança, Humilde a presumpção, vária a firmeza, Fraco o valor, cobarde a fortaleza, Triste o prazer, discreta a confiança.
Terá a ingratidão firme lembrança, Será rude o saber, sábia a rudeza, Lhana a ficção, sofistica a lhaneza, Áspero o amor, benigna a esquivança ;
Será merecimento a indignidade, Defeito a perfeição, culpa a defensa, Intrépido o temor, dura a piedade ;
Delicto a obrigação, favor a ofFensa,
Verdadeira a traição, falsa a verdade,
— Antes que vosso amor meu peito vença.
III
Se apartada do corpo a doce vida, Domina em seu lugar a dura morte, De que nasce tardar-me tanto a morte Se ausente d'alma estou, que me dá vida ?
Não quero sem Silvano já ter vida. Pois tudo sem Silvano é viva morte. Já que se foi Silvano, venha a morte, Perca-se por Silvano a minha vida.
Poesias
Ah ! suspirado ausente, se esta morte Não te obriga querer vir dar-me vida, Gomo não ma vem dar a mesma morte ?
Mas se nalma consiste a própria vida, Bem sei que se me tarda tanto a morte, Que é porque sinta a morte de tal vida.
IV
Que suspensão, que enleio, que cuidado E' este meu, tirano deus Cupido ? Pois tirando-me enfim todo o sentido Me deixa o sentimento duplicado.
Absorta no rigor de um duro fado. Tanto de meus sentidos me divido, Que tenho só de vida o bem sentido E tenho já de morte o mal logrado.
Enlevo-me no damno que me oíFende, Suspendo-me na causa de meu pranto Mas meu mal (ai de mim!) não se suspende.
O cesse, cesse, amor, tam raro encanto Que para quem de ti não se defende Basta menos rigor, não rigor tanto.
Soror Violante do Ceo
Vida que não acaba de acabar-se, Chegando já de vós a despedir-se, Ou deixa por sentida de sentir-se, Ou pode de immorial acreditar-se.
Vida que já não chega a terminar-se, Pois chega já de vós a dividir-se, Ou procura vivendo consumir-se, Ou pretende matando eternizar-se.
O certo é, Senhor, que não fenece, Antes no que padece se